quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XXIX

     Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, estamos a publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
     Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo /proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.




LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS






O S  L A N I F Í C I O S

NA  POLÍTICA  ECONÓMICA

DO   CONDE   DA   ERICEIRA



I








LISBOA   MCMLIV


******

I


CONDICIONALISMO POLÍTICO DA RESTAURAÇÃO
(Continuação)

[...] D . João IV tenta restringir ainda, em sua vida, o aspecto leonino de algumas cláusulas deste instrumento diplomático, chegando a recomendar a sua revisão ao nosso Ministro em Londres, Francisco Ferreira Rebelo, em Julho de 1656 (17). Mas estes propósitos falham com o decesso do Rei, em 6 de Novembro deste ano. Cromwell morria também dois anos depois, sem que para nós, entretanto, o interesse da aliança inglesa diminuisse. A sua influência, ao contrário, avolu­mou-se ainda mais, quando a França se afastou da Aliança. O recru­tamento de tropas para Portugal acentua-se, e em 18 de Abril de 1660 D. Afonso VI volta a assinar outro tratado (18).
                Monk dá o golpe de misericórdia na república inglesa, e a subida ao trono de Carlos II alenta os nossos representantes, que procuram fazer valer junto do novo monarca os serviços prestados a favor do primeiro Carlos (19). Baldadas esperanças, porque em 16 de Outubro desse ano, acabam por ser ratificados os tratados anteriores; (20) e o de 23 de Junho de 1661, além das cláusulas respeitantes ao casa­mento da Infanta D. Catarina e ao seu dote, autoriza a instalação de mercadores ingleses, até 4, nas praças dos nossos domínios (21).
                O clima das relações com a Inglaterra, em 24 de Junho, trans­parece claramente, da carta do Marquês de Sande:

«lembro que Portugal no estado presente, humanamente falando, não tem outro remédio mais que o da Inglaterra ...»

«direí agora que temos a Inglaterra, não governada por uma república, que nos destruiu, mas por um Principe legítimo que abraça os nossos interesses ...» (22).

                A 24 de Maio de 1662 chega a Portsmouth a Infanta D. Catarina, mulher de Carlos II, que seria, na Corte inglesa, a grande advogada dos nossos interesses.
            Todos os tratados de paz e comércio de Portugal com a Ingla­terra, nesta segunda metade do século XVII, além de reproduzirem muitas cláusulas do tratado de 1635 e apresentarem outras que se repetem sistemàticamente em todos eles, resumem-se em poucas palavras: liberdade de comércio e paz entre os súbditos de ambas as Nações; liberdade de culto para os ingleses em Portugal; facilidades de recrutamento de tropas, em Inglaterra, para o nosso país.
            Voltamos a acentuar que a decantada liberdade de comércio não tinha de facto reciprocidade e, na parte que nos dizia respeito, não passava de mera utopia.
            A doutrina dos tratados inspirava-se no princípio económico, então em voga, de que a riqueza das Nações consistia no predomínio da exportação sobre a importação e na maior concentração de metais preciosos na posse dos Estados. Esta doutrina fomentava a luta de interesses entre as Nações fortes, capaz de a todo o momento assoprar o braseiro da guerra e asfixiava metòdicamente os povos fracos. Estes, ou se defendiam, trancando as portas às importações desorde­nadas, ou, mais tarde ou mais cedo, veriam transmudar-se os gri­lhões económicos em grilhões políticos.
            As dificuldades que levaram Portugal a admitir o comércio inglês seriam as razões que, em hora de bonança, levariam a repudiá-lo. Doutra forma, que seria das suas indústrias incipientes? Como reagi­riam elas ao novo condicionalismo que se abria? Portugal utilizou primeiramente uma forma de defesa simplista, lançando mão de pragmáticas das quais a primeira, sobre vestidos, veio à luz em 1643 (23).
                Estas leis que revestiam quase sempre um carácter antí-sump­tuárío e moralista, também escondiam medidas económicas; pro­vocadas por deliberações de Cortes, vincavam forçadamente a sua feição original. Daí, começarem por regular a forma do vestuário: suprimiam-lhe todas as características luxuosas de ouro, prata e rendas; desciam, depois, à própria natureza da matéria prima de que os tecidos eram confeccionados; baniam os artigos de seda, salvaguardando contudo os interesses do comércio da Índia; a certas camadas da população impunham o uso exclusivo de fazendas na­cionais.
            Como as fazendas inglesas tinham invadido o mercado, dando aso à evasão de grandes quantidades de numerário, visava-se obstar ao seu consumo.
            Em pareceres da época pretendia-se que esta fórmula não atin­gia o capitulado com os ingleses: os seus mercadores podiam conti­nuar a importar fazendas e a mercadejá-las livremente pelas feiras e mercados do reino. Só aos portugueses era vedado usá-las.
            Porém, a execução da pragmática não foi rigorosa: para evitar perdas ao comércio, não entrou logo em vigor, e, em 21 de Abril de 1644, alargou-se ainda o período dentro do qual era livre o uso das fazendas proibidas (24). Não se olvide que nas lojas portuguesas deviam armazenar-se grandes quantidades dessa mercadoria, o que explica os cuidados e temores da administração. A pragmática não produziu, poís, quaisquer efeitos, visto, em 8 de Junho de 1668, voltar a publicar-se outra, sobre vestidos e trajes, que nem menciona os lanifícios (25). A situação mantém-se até 25 de Janeiro de 1677, data da nova pragmática, imposta ou sugerida por novos capítulos de Cortes. No seu capitulo quarto veda-se expressamente o uso de panos de fora, voltas de renda, cintos, talíns, boldriés e chapéus que não sejam de fabrico nacional. O capítulo décimo estabelece idên­tica doutrina para as librés cujos forros deviam conter lã (26).
            Como estávamos nas vésperas da reforma do Conde da Ericeira, conviria averiguar se esta medida não se destinava a acautelar os interesses da indústria das sarjas e baetas que começava a desenvol­ver-se, se não fosse o destino dessa lei cuja sorte foi a das anteriores suas congéneres. Acabava por dominar sempre a doutrina da liberdade do comércio, emergente dos acordos internacionais, até que a acção dos homens de Estado enveredasse por caminhos mais realístas, como demonstrou a política de D. Luís de Menezes.
            Contudo, as pragmáticas continuam a invadir periódicamente a nossa legislaçao: D. Pedro II publica outra lei desta espécie, em 1686, e proíbe nela o uso de tecidos não só de origem estrangeira, como  ainda outros fabricados em Portugal. Dela consta esta passagem elucidativa:

«E porque tenho mandado dar nova forma às fábricas do Reino, para com elas se suprir o que fôr necessário a meus vassalos, prohibo que se não possa usar de nenhum género de pannos negros ou de côr, não sendo fabricados dentro do Reino...................................................
.................Declaro que esta prohibíção se não entenderá nos pannos de grã, que vierem de fora do Reino à alfandega de Lisboa, para se navegarem para a India ....... E ordeno que todas as fazendas prohibidas que estiverem despachadas dentro do Reino e as que acharem nas alfandegas até o dia da publicação desta Lei se possam gastar dentro de dous annos .......................................»  (27).

Daqui procede como a reforma das fábricas seguia a passos largos e como, apesar disso, havia ainda que protelar para o ano de 1688 a proibição do uso dos panos (28). Verificou-se ao mesmo tempo que não redundaram em utilidade as proibições da pragmática anterior, pois não tardaram a abrir-se as alfândegas às rendas e aos bordados de ponto de Veneza. Em 9 de Janeiro de 1692, adoptava-se a mesma teoria para os chapéus, devido ao atraso das fábricas nacionais, e a derrogação permanece na pragmática de 1698 (29). Esta surgiu em 14 de Novembro: além de panos de cor de origem estran­geira, proíbía a entrada dos droguetes - panos de cor, (30) artigo que os ingleses trouxeram para o mercado a fim de iludir a pragmá­tica de 1686; mas parece ter libertado o mercado dos panos pretos.
            A abundância de pragmáticas demonstra como não eram cum­pridas, e a razão é fácil de explicar. No geral a nossa indústria não satisfazia às necessidades do mercado, nem em qualidade nem em abundância. Eis a razão porque, se por um lado se tentava proibir, por outro surgia logo a necessidade consequente de transigir. As pragmáticas assinalam, contudo, actos de iniciativa que o Estado se propõe tutelar. O caso dos chapéus é o mais concludente.
            Nos lanifícios veremos como, no domínio das pragmáticas, os panos estrangeiros continuaram a invadir o mercado até às vésperas do último decénio do século XVII, período que marca o apogeu da nossa produção e, talvez, a saturação do mercado. Na verdade, o sis­tema proibitivo, por si, nada solucionava, quando o país, para vestir­-se, não podia contar só com os seus trapeíros, inaptos a produzir o necessário. O caminho era pois outro: apetrechamento técnico, racionalização de métodos, aumento de produção e luta, no mercado interno, com a concorrência estranha, que as circunstâncias interna­cionais não deixariarm de impor.
            A literatura da época, desde as relações dos diplomatas e da sua correspondência aos tratadistas do direito público inclinava-se decididamente para o estudo das questões económicas, pois como adver­tia Smith, a economia política do mercantilismo deve considerar-se mais como teoria para uso de governantes do que preocupação cien­tífíca da natureza e causa da riqueza das Nações.
            Nem só o poderio militar decidia do futuro dos povos: o problema da riqueza preocupava os governos, não só a riqueza pública do erário, mas até a riqueza particular.
            Por toda a Europa, a burguesia alargava os tentáculos à polí­tica e impunha aos governantes maior atenção na defesa dos seus interesses. Não só a Inglaterra, como já acentuámos, marcava uma viragem decisiva na sua história; a França igualmente era levada a cuidar dos interesses das suas fábricas, a meditar os problemas da produção e a tentar açambarcar mercados para os seus produtos.
            A situação não passou desapercebida aos nossos diplomatas e homens públicos que apreenderam fàcilmente as novas doutrinas e tentaram realizar no país as ideias económicas da sua época. Coube ao terceiro Conde da Ericeira orientar a política económica da Nação pela bússola dos grandes espírítos do seu século. Duarte Gomes Solis, Bluteau, D. Luís da Cunha, Duarte Ribeiro de Macedo, Manuel Seve­rim de Faria, o Padre António Vieira, Brochado e outros batem con­tinuamente nas suas obras a tecla dos problemas económicos, v. g. o problema da população, da industrialização ou das fábricas, da riqueza das Nações e do bem estar económico dos povos (31). Não obsta a esta orientação a estrutura escolástica da sua formação intelectual ou quaisquer outros pseudo-entraves de ordem ideológica que certos críticos facciosamente procuram avolumar.
            Os sectores onde ia desenvolver-se a politica económica do Conde da Ericeira eram aqueles onde mais urgia assegurar o auto-abastecimento económico da Nação, nos panos de lã, nos linhos e cânhamos, nos algodões e sedas, na metalurgia do ferro e outros metais. Aí havia já uma indústria incipiente cujas possibilidades de aumento e aperfeiçoamento estavam de antemão asseguradas (32). Também era nestes mesmos sectores que a concorrência estrangeira mais se fazia sentir e, por conseguinte, os que mais desequilibravam a nossa ba­lança comercial.
            Se os ingleses vinham comprar as nossas lãs para nos venderem depois o pano, porque não havíamos nós de renovar a fabricação dos tecidos? Idêntico racíocínío tinham feito os mesmos ingleses, séculos atrás, perante a indústria florescente da Flandres (33).
                Os nossos políticos e diplomatas derivavam da politica económi­ca dos Filipes o atraso e enfraquecimento destas artes. António de Sousa de Macedo, participante da nossa primeira Embaixada a In­glaterra a seguir à Restauração, punha a mão na ferida, quando visava a política sumptuáría dos Reis de Espanha, preocupados, du­rante a ocupação, em amealhar impostos, abandonando, de todo, o fomento das fontes de riqueza. Chega a declarar que os impostos do período filipino atingiram verbas muito superiores à soma de todos os tributos, cobrados pelos Reis naturais, desde D. Afonso Henriques até 1580 (34). Desconhecemos até que ponto Sousa de Macedo se ele­vava acima das preocupações da propaganda e tinha consciência do facto histórico. Recorde-se, a propósito, que, durante o período áureo dos descobrimentos, toda a gente era diminuta para alimentar o sorvedouro das armadas, das guerras e do comércio ultramarino: faltavam as horas para pensar nas artes mecânicas e na produção de bens de consumo; o mercado interno e as armadas forneciam-se para a exportação geralmente no estrangeiro, mercadejando nós com produtos estranhos (35). Os lanifícios desenvolveram-se, contu­do, neste período, tendo D. Sebastião cuidado a sério da sua melho­ria, como nos garante o Regimento de 1573.
            Relanceando o olhar pelos grandes centros industriais do norte da Europa, não podemos deixar de acentuar que, no século XVI, não cuidámos do ensino técnico, e as nossas artes, sempre incipientes, mantiveram-se na órbita e dependência das estranhas, de que nos socorríamos, exceptuando, é claro, o campo circunscrito das ciências e artes náuticas de que reservámos monopólio, em detrimento das outras.
            Os homens da Restauração, assoberbados de tarefas, ilaqueados de complicações internacionais, obrigados a transigir aqui para com­pôr além, muito teriam que batalhar para erguer o edifício que cedo planearam e o século XVIII ia receber das suas mãos. Não se tratava só, no sector económico, de refazer métodos encanecidos de trabalho; era preciso desenvolver indústrias conquistando as novas técnicas europeias, e criar novas fontes de riqueza: essa foi a missão que no­bremente se propuseram e a sua coroa de glória. [...]
(Continua)


2ª e última parte das notas do I Capítulo

17 - VISCONDE DE SANTARÉM - Ob. cit. Tom. 17, págs. 104 e 106.
18 - ID. pags. 118.
JOÃO FERREIRA BORGES DE CASTRO - Ob. cit. vo1º. fls, 226.
19 - VISCONDE DE SANTARÉM - Ob. cit. Tom. 17 pag 119 e segts.
20 – lD. pag. 125.
21 - JOÃO FERREIRA BORGES DE CASTRO - Ob. cit. vol. 1º. pag. 234.
22 - VISCONDE DE SANTARÉM - Ob. cit. Tom. 17 pags. 220 e 221.
23 - ARQ. N. DA T. DO TOMBO - Liv. 4 de Leis fls. 125 (9 de Julho).
24 - ARQ. N. DA T. DO TOMBO - Liv. 4 de Leis fls. 142 'V.
25 - COLLECÇÃO CHRONOLÓGICA DA LEGISLAÇÃO PORTUGUESA - Compilada e anotada por José Justino d'Andrade e Silva - (1657-1674) pago 147.
26 - ID. - (1675-1683).
27 - ID. - (1683-1702) pag. 65.
28 - ID., ibid.
29 - ID. - (1683-1702) págs. 163, 271 e 419.
A pragmática de 1698 não voltou a proilbir a entrada dos chapéus, portanto supõe-se que a doutrina da pragmática de 1692 se manteve.
30 – ID. - (1683-1702) pag. 420, art, 13.
31- DUARTE GOMES SOLIS - Discursos sobre los comercios de las dos Indias donde se tratan materias importantes de Estado
y Guerra - 1622.
D. RAFAEL BLUTEAU - lnstruçam sobre cultura das Amoreiras e criação dos Bichos de Seda. Lisboa, 1679.
MANOEL SEVERIM DE FARIA - Notícias de Portugal.
DUARTE RIBEIRO DE MACEDO - Obras Inéditas - Lisboa 1817.
D. LUIZ DA CUNHA - Testamento Político
ID. - Cartas.
P.e ANTÓNIO VIEIRA - Cartas
JOSÉ DA CUNHA BROCHADO - Cartas e Pareceres.
32 - DOC Nº 8
33 - VID. nota nº 1.
34 - VISCONDE DE SANTARÉM - Ob. cit. Tom. 17 pag. 27 e segts.
Sumário da carta do Dr. António de Sousa de Macedo, ouvidor da chancelaria do Porto, e secretário da Embaixada de Portugal em Londres, a um fidalgo Inglês sobre o manifesto que publicou  D. José Pellizer por parte do Rei de Castela:
«Os beneficios que Portugal deve a Castela, consistiram em o pôr em guerra com a maior parte da Europa , expondo as suas conquistas a tantos revezes, não o incluindo no suspirado socego da paz, ou das tregoas, que ajustava e exceptuando delas os domínios ultramarinos portugueses, cuja decadência e ruína o governo espanhol parecia desejar!. .. .».
« ... se acaso se haviam de agradecer como benefícíos os tributos numerosos e opressivos, lançados sem equidade pelo gabinete de Madrid, e com tal rigor, que em menos de sessenta annos excederam todos os que os Soberanos portugueses tinham imposto desde a fundação da Monarquia. ...».
« ... (tributos) consumidos em construções luxuosas e ínuteís, em deleites e desperdícios, em quanto as armadas faltavam nas costas e nas conquistas para a defeza e os soldados famintos e quase desarmados amaldiçoavam as bandeiras,  aonde os alista­vam para padecerem misérias e opprobrios?!: ...».
35 - DUARTE RIBEIRO DE MACEDO - ob. cit. 

As Publicações do Blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2012/09/covilha-as-publicacoes.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/05/covilha-o-2-aniversario-do-nosso-blogue.html

As publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia.html




domingo, 23 de fevereiro de 2014

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XXVIII

    Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, vamos publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
     Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo /proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.

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LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS






O S  L A N I F Í C I O S

NA  POLÍTICA  ECONÓMICA

DO   CONDE   DA   ERICEIRA



I







LISBOA   MCMLIV













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Advertência

             Este ensaio representa a primeira contribuição para obra de maior fôlego: o estudo histórico e económico da manufactura dos panos de lã, em Portugal.
            A história económica foi registando a evolução desta indústria que, no decorrer dos tempos, espelhou em seus quadros, mais do que nenhuma outra, as preocupações sociais, as iniciativas técnicas e os métodos de trabalho da Europa. Por isso os economistas de todos os países se apressaram a rebuscar os passos do seu desenvolvimento, das suas transformações e lutas para justificar as grandes sínteses.
            Figuram, entre os maís ilustres, Henri Pirenne e W. Sombart para não citar outros historiadores da Economia. Ao primeiro, a do­cumentação das manufacturas da Flandres forneceu muito material de estudo para a reconstituição da vida das Cidades e Vilas da Idade Média e das suas rotas comerciais.
            Em Portugal, o estudo desta actividade permanece em aberto, à parte referências semeadas por obras de carácter geral.
            Cabe às monografias o inglório mas ingente esforço de desbra­var o caminho. Este trabalho teve em mira esse objectivo. Principiou por constituir uma introdução aos «Discursos» de Goncalo da Cunha Vilas Boas e alargou-se até pretender ser uma pequena sín­tese da História dos Lanificios, da Restauração ao Tratado de Methwen.
            O autor tem a consciência de que não esgotou o assunto, certa­mente porque a sua investigação recaíu, sobretudo, em fontes respei­tantes à Covilhã. Ali, no entanto, se manteve com maior intensidade e persistência o fulcro dessa actividade.
            Por outro lado reconhece, sem modéstia, basear-se este ensaio na parte respeitante aos lanifícios e sua história, em documentação inédita, na sua quase totalidade, e constituir assunto novo na série da nossa bibliografia.
            Os processos inquisitoriais de vários cristãos-novos, mercadores e trapeiros, forneceram preciosas achegas. Torna-se impossivel mar­char na história económica de algumas actividades, v. g. na dos pa­nos de lã, sem utilizar essas fontes.
            Nos refolhos das denúncias, surpreendem-se motivos alheios à actividade do Tribunal; são os ódios gerados na paixão do enriqueci­mento que acirram o desvendar da heresia. Por isso à maneira que se aproveitam esses processos, esclarecem-se muitos enigmas da his­tória viva das actividades económicas que por vezes o excessivo predomínio da política deixou para segundo plano.
            Mas a maior novidade de nosso estudo cremos residir na expo­sição pormenorizada da actividade do 3.° Conde da Ericeira, através dos «Discursos» de Gonçalo da Cunha Vilas Boas, sobre as fábricas da Província da Beira e na reconstituição histórico-económica do fabrico dos panos de 1640 a 1704.
            A doutrina dos «Discursos» projecta nova luz sobre o Reinado de D. Pedro II; é a própria pessoa do Rei que directamente empenhado nas fábricas impulsiona a reforma; é a orientação seguida no uso cauteloso dos exclusivos industriais, sem forçar as actividades livres, procurando chamar à colaboração o maior número de trapeiros e aumentando as unidades industriais; é a reacção duma burguesia nova às barreiras do privilégio a que não estava habituada, seguida pelo povo miúdo que sentia na liberdade do comércio e do fabrico a valorização da sua posição económica; é a primeira tentativa, nos lanifícios, duma empresa industrial de orientação capitalista, em­presa que vai enfrentar ao mesmo tempo um mercado concorrente e um assalariado cioso dos seus direitos.
            A maior lição da política do Conde da Ericeira colhe-se do seu realismo activista, inimigo do feiticismo da regulamentação e dos excessos burocráticos. Empolga-o um espírito renovado e liberto de peias. Perante a conjuntura, porta-se com a galhardia do soldado vitorioso que procura para além da barricada a certeza da auto-suficiência do mercado e o equilíbrio da balança de comércio. Em co­traposição, depois da sua morte, reacende-se a chama do regulamentarismo e a sombra da obsessão das transgressões vem a obscure­cer o próprio fim das leis.
            Numa palavra: a politica do Conde da Ericeira representa no século XVII o breve e frágil renascer daquela ânsia geral de realizar, daquele espírito ousado, livre e personalista, que presidiu aos desco­brimentos e que a Nação tantas vezes procura desde Alcácer Quibir, espírito que alvorece em certos momentos para ser logo dominado pelas fórmulas centralistas, trágico legado da administração filipina!
            Pombal um dos mais elevados expoentes históricos desse tecni­cismo, tacteou pelos caminhos do Conde da Ericeira imitando-lhe as iniciativas.  Mas a obra material não basta quando o espírito está aus­ente; por isso os frutos da sua obra acabaram por negar a árvore donde provinham.
            A lenda da originalidade da política económica do Ministro de D. José I esboroa-se diante das notáveis realizações de D. Luís de Menezes a quem o próprio Pombal prestou homenagem rendida.
            Igualmente as consequências, tradicionalmente atribuídas ao Tratado de Methwen, parecem ceder à Inquisição e aos seus supli­ciados, pelas novas achegas carreadas, a paternidade da decadência dos panos, nos alvores do século  XVIII.

            A dedicatória destas páginas ao Dr. João Ubach Chaves, além do preito de amizade sincera e agradecida que vem desde os bancos da Universidade de Coimbra, pretende testemunhar a admiração pela obra de renovação industrial a que durante 15 anos tem dedicado o melhor do seu esforço e da sua inteligência. Primeiramente como Delegado do Governo e depois como presidente da FNIL, a sua fé e a sua tenacidade imprimiram à organização do nosso tempo a marca inconfundível da sua personalidade.
            As realizações sociais deste contrato colectivo de trabalho e das casas económicas à caixa de previdência; e as realizações económicas e técnicas como o acondicionamento, destinado a assegurar a lealdade nas transacções do comércio e no fabrico dos panos, e a instituição das bolsas de estudo, no Estrangeiro, para técnicos desta indústria, de que beneficiam indistintamente industriais, empregados e operários, fixam uma época de renovação só comparável à do Conde da Ericeira.
            E nada disto era possível sem uma vontade que polarizasse os entusiasmos e vencesse as contrariedades de todos os dias.
           
            Resta-me consignar aqui ao antigo presidente Dr. João Megre, e aos Ex.mos Senhores Directores Luís Elias Casanovas e José Laureano de Moura e Sousa, comparticipantes da renovação industrial da FNIL, os protestos da minha admiração.
            Também desejo agradecer aos Ex.mos Senhores Alexandre Nogueira Pinto e Doutor Raul Machado o interesse que manifestaram na realização e publicação deste trabalho e ao Ex.mo Senhor Dr. Francisco Ranito d’Almeida Eusébio o empréstimo de alguns livros da sua valiosa biblioteca que tão úteis foram para o estudo das matérias expostas.

            Lisboa, 1953.



I

CONDICIONALISMO POLÍTICO DA RESTAURAÇÃO

            O reinado de Filipe III, alvoroçado de dissensões políticas, e a Guerra da Restauração, com os seus vinte oito anos de batalhas, escaramuças e desavenças, embora não paralisassem as actividades, marcaram uma linha histórica da Nação, um período de incerteza que profundamente abalou a sua economia.
            Quem espraiar a vista pela zona fronteiriça do país, onde florescia a indústria caseira, artesanal e pré-capitalista dos panos de lã, encontrará culturas devastadas, saques a vilas e cidades, incursões militares quase intermitentes, recrutamento desordenado de braços para a guerra, esse monstro horrível de que o contemporâneo Padre António Vieira nos legou imagem expressiva.
            A guerra alastrava ainda por outras terras e continentes sobre os quais flutuava a bandeira portuguesa, e absorvia as energias não só da Metrópole mas também do Ultramar; para enfrentar a cobiça das Nações que, na Europa, alinhavam ao nosso lado contra o pode­rio já abalado dos Áustrias, também ali urgia lançar mão de todos os recursos.
            Eram os holandeses no Brasil, em Angola e no Oriente, a prosse­guirem connosco a guerra iniciada com os exércitos da Espanha, e os corsários franceses e ingleses, nos mares, ansiosos por fechar defini­tivamente o ciclo que lhes vedara, durante 150 anos, as portas do comércio oriental. Esboroava-se assim, pouco a pouco, nos cinco con­tinentes do mundo, o Império Português.
            Mediremos, contudo, melhor o alcance da derrocada se nos lem­brarmos de que a Nação se ressentia dos 60 anos de cativeiro: aí consumira, em reacções vivas e diárias, a melhor seiva humana do seu tronco, o que avolumava as dificuldades insuperáveis de gente para tapar as brechas dos exércitos e ocorrer à administração públi­ca, à agricultura e à indústria.
            A marinha mercante, nervo e essência do comércio ultramarino, e a marinha de guerra, custódia desse comércio, desmantelaram-se nas empresas infelizes do ocupante.
            Como transportar os produtos das terras e das indústrias, como ocorrer à defesa das praças sitiadas do litoral angolano e brasileiro, como opôr resistência às investidas no mar e nas Ilhas Atlânticas?
            No coração da própria fortaleza metropolitana conspiravam fili­pizantes teimosos, e a firmeza do trono parecia romper-se contra o baixio da crise dinástica que culmina com a deposição de Afonso VI.
            Todas estas circunstâncias bastam para explicar a acção diplo­mática dos dois primeiros reinados da dinastia brigantina.
            Nas horas dolorosas desses tempos filiam-se os tratados de paz, amizade e comércio com a Inglaterra, França e Países Unidos, cujo objectivo era, por um lado, restringir o teatro da luta e, por outro, recrutar gente, fretar navios, adquirir bens e cimentar amizades num mercado cuja moeda se cotava pela ganância mais desenfreada.
            A Inglaterra lançava, nesse período, os alicerces da sua grande organização industrial, sobretudo no sector dos lanifícios. A sua polí­tica externa, ditada por uma burguesia que se passara repentina­mente do mundo dos negócios para a esfera do governo, sofria a obsessão da conquista de novos mercados, numa hipertrofia comer­cialista jamais atingida. Os seus lanifícios vinham-se desenvolvendo, em maré cheia desde a Idade Média; mas só a partir da Rainha Isabel, quando a soberana mandou recrutar mestres de panos aos Países Baixos, os ingleses se aperfeiçoaram nessa arte industrial (1).
                Assim, tudo o que de perto ou de longe se prendia com a in­dústria começou a interessar a política económica da Grã-Bretanha. Eram cabouqueíros dessa orientação não só os fabricantes e merca­dores que traficavam na Ilha, mas ainda todos aqueles que, espa­lhados pelas sete partidas do mundo, abriram os alicerces do império inglês. No parlamento faziam ecoar a voz dos seus interesses e impri­miam, em leis e tratados, a marca duma experiência comercial, que tão alto havia de levar o poderio britânico (2).
                Por esse tempo mercadejavam na praça de Lisboa cerca de 200 mercadores (3) ingleses. Constituía o negócio dos panos um dos prín­cipaís objectivos da sua actividade: um autêntico cavalo de Tróia nos muros da nossa economia! A eles, pois, não podia ser indiferente o condicionalismo do mercado português.
            Por isso as instruções dos diplomatas da primeira embaixada de D. João IV à Grã-Bretanha equiparavam a liberdade do culto à liberdade do comércio nas ofertas para o tratado de paz e amizade. Mas foi, sobretudo, o chamariz comercial que tentou os ingleses (4) a sacrificar as boas relações que então mantinham com a Espanha.
           A pressão directa dos mercadores ingleses de Lisboa demoveu os últimos obstáculos, como não podia deixar de ser, (5) e daí em diante os nossos diplomatas nunca deixaram de jogar nas negociações de Londres com os interesses dos mercadores de Lisboa (6).
                O desenvolvimento e a importância dos lanificios ingleses, vol­vidos em objectivo da sua politica externa, redundaram para nós em argumento diplomático de primeira ordem. Por isso os panos, as sarjas e as baetas norteiam os tratados de paz e amizade, quando pretendemos escudar-nos na aliança, como figuram nas pragmáticas quando procuramos restringir a influência do comércio inglês.
            No tratado de 29 de Janeiro de 1642, (7) embora o comércio dos panos não se mencione expressamente, a cláusula geral da liber­dade não deixa de o englobar, ofertando aos súbditos britânicos as facilidades reconhecidas aos súbditos de outros príncipes, como decorria do tratado, anteriormente celebrado, com a Holanda (8). Pressupunha ainda o tratado a confirmação dos antigos privilégios dos seus mercadores antes da união a Castela (9). D. João IV, em 1647, (10) vê-se coagido a confirmá-los; e dizemos «coagido», porque o sentido dessas cartas ou forais repercutia na conjuntura da Res­tauração de maneira diversa do que nos séculos XV e XVI.
            Entretanto, os mercadores ingleses procuram enroscar-se cada vez mais à nossa economia, quer fazendo representações ao Rei de Portugal, como a de 5 de Abril de 1650, (11) quer agíndo por detrás das negociações do novo tratado, assinado em 1654, (12) com o dita­dor e totalitário inglês Cromwell, e inspirando novos pedidos de rega­lias através duma longa memória de 38 artigos. Conquanto este tratado invoque a reciprocidade do comércio, a verdade é que Por­tugal via-se impossibilitado de ir comerciar à Inglaterra, nas mesmas circunstâncias em que os ingleses o podiam fazer entre nós, e como já em épocas recuadas da Monarquia Agrária havia acontecido (13). A carência de marinha, sem falar nas ondas alterosas que as Ilhas Britânicas levantavam a esse comércio, tornava as cláusulas do novo tratado nitidamente leoninas (14).
                Agora de forma expressa, o que o anterior tratado já permitia caladamente, volta a admitir-se o livre comércio dos ingleses com a Espanha, através do nosso território, e também pelo mar, sem que nos fosse dado ínterceptá-lo de qualquer modo.
           Na India e no Brasil abríamos as portas ao comércio britânico. Salvaguardaram-se, contudo, os géneros concedidos, em exclusivo, à Companhia do Brasil, ou seja farinha, bacalhau, vinho, azeite e pau brasil (15).
                Nas dobras desse tratado anichava-se ainda um artigo secreto que limitava os direitos alfandegários das fazendas inglesas, a 23 % ad valorem, prevendo-se para o valor, o do ano da assinatura do tra­tado, e para a avaliação, a mais favorável (16).  [...]
(Continua)

NOTAS DO CAPÍTULO I
(Parte)
                      1 - DOC. Nº 8 - BibI. N. de Lisboa - Sec. de Reservados - ms. 6687. F. G.
HENRI PlRENNE - Histoire Economique de L'Occident Médiéval. Desclées de Brouwer - 1951. n° 6 - Une crise industrielle au XVIe· siècle: La Draperie urbaine et la «nouvelle draperíe» en Flan­dres, pg. 641.
Pirenne ao contrário de Gonçalo da Cunha Villas Boas, atribui a renovação dos tecidos ingleses, não à Raínha Isabel, mas à iniciativa dos trapeiras flamengos, emigrados para Inglaterra, quando o Duque d'Alba foi dominar certa insurreição, na Flandres.
2 - HAROLD J. LASKI - Le Libéralisme Européen - Paris - 1950. Trad. Francesa. Cap. 2.° pag. 149.
EDGAR PRESTAGE - Relações Diplomáticas de Portugal com a França, Inglaterra e Holanda - (1640-1668) - Coimbra - 1928. pags. 108 e segts. e 145 e segts.
VISCONDE DE SANTARÉM - Quadro Elementar, etc., tom. 17, .pags. 17 e segts.
3 - VISCONDE DE SANTARÉM – id. tom. 17, pag. 123.
4 - EDGAR PRESTAGE - ob. cit. pag. 110.
VISCONDE DE SANTARÉM - ob. cit. – tom. 17. pag. 17.
EDUARDO BRAZÃO - História Diplomática de Portugal. Lisboa, 1932 voI. 1º, pag. 62.
5 - EDGAR PRESTAGE - ob. cit.
VISCONDE DE SANTARÉM - ob. cit. Tom. 17, pag. 17.
6 - LUIZ TEIXEIRA DE SAMPAIO - Para a História do Tratado de Methwen - ln. Instituto, Coimbra - 1928 - vol. 76.
7 - JOÃO FERREIRA BORGES DE CASTRO - Collecção dos Trata­dos, Convenções, Contratos e Actos Públicos, celebrados entre a Coroa de Portugal e as mais Potências. Lisboa -1856, vol. 1º. pago 82.
8 - EDGAR PRESTAGE - ob. cit. págs. 201 e 112.
9 - JOÃO FERREIRA BORGES DE CASTRO - ob. cit. vol. 1º. pág. 82 e segts.
VISCONDE DE SANTARÉM - ob. cit. Tom. 17, fls. 42 e 43.
10 - VISCONDE DE SANTARÉM - Ob. cit. Tom. 17, pág. 55.
JOÃO FERREIRA BORGES DE CASTRO - Ob. cit. vol. 1º. pág. 204.
Em plena euforia dos Descobrimentos, os privilégios dos mercadores estrangeíros, em Portugal, acham justificação na necessidade de im­portação das mercadorias que depois reexportávamos através do comércio oríental. Antes do sec. XV, constituíam a reciprocidade de idênticos privilégios, concedidos aos mercadores portugueses, v. g. na Flandres e em Inglaterra.
11 - VISCONDE DE SANTARÉM - Ob. cit. págs. 74 e 86 Tom. 17.
JOÃO FERREIRA BORGES DE CASTRO - Ob. cit. vol. 1º. pág. 168.
12 - ID., ID.
13 - DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES - publicação. e prefácío de João Martins da Silva Marques, Lisboa, 1944. voI. 1º., pag. 90 - Doc. 76; pag. 75 – docs. 66 e 67; etc.
14 - EDGAR PRESTAGE - Ob. cit. pág. 147.
15 - JOÃO FERREIRA BORGES DE CASTRO - Ob. cit. pág. 168 e segts. art. 11.
16 - ID. fls. 201 


quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Covilhã - A Alcaidaria XII

    Continuamos a apresentar os documentos encontrados no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias sobre a alcaidaria da Covilhã. Procuramos seguir uma ordem cronológica. Hoje publicamos um alvará de Filipe III passado em Madrid, em 1638, a familiares de Luís Castro Rio:

"Alvará de Filipe III passado em Madrid a 22/6/1638 considerando hábeis para o desempenho de todos os serviços, cargos e empregos, o Deão da Sé de Lisboa Afonso Furtado de Mendonça, seus irmãos, cunhados e sobrinhos por descenderem de Diogo de Castro Rio, que el-Rei D. Sebastião em satisfação dos serviços que lhe prestava e a D. João III concedeu alvará de privilégio de nobreza."

    O alvará de 1638 levou-nos a pesquisar aquele deão Afonso Furtado de Mendonça e o seu antepassado D. Diogo de Castro (do Rio). Este era cristão-novo, mas foi designado fidalgo da casa-real por carta de privilégio assinada por D. João III em 1532. É nobilitado em 1561, quando a regente Dona Catarina o liberta, ao seu irmão Luís de Castro e aos seus descendentes de todos os “defeitos de nascimento”. D. Afonso foi arcebispo de Lisboa entre 1627 e 1630, podendo-se observar uma pedra de armas que lhe pertenceu, no edifício do Museu do Teatro Romano de Lisboa.

Pedra de armas pertencente a D. Afonso Furtado de Mendonça

    O sucesso social da família relaciona-se com o comércio na Índia e África, com empréstimos de dinheiro à Coroa, operações financeiras e funções militares. Também encontrámos um Heitor Furtado de Mendonça, certamente da mesma família, que em 1591 chegou ao Brasil como inquisidor da 1ª visitação do Tribunal do Santo Ofício do Brasil.
    Apesar de tudo o que se disse, os descendentes – Viscondes de Barbacena – não foram poupados à suspeita de inabilitação. Vejamos a prova do que afirmamos:
Em 1633 os netos de D. Diogo de Castro – Afonso Furtado Mendonça (deão da Sé de Lisboa e ouvidor da Justiça Real); Luís Castro Rio (senhor de Barbacena e alcaide-mor da Covilhã); Jorge Furtado Mendonça; D. Luísa Henriques; Dona Catarina Teles da Silva (mulher de Luís Castro Rio e alcaidesa da Covilhã); Dona Mariana da Silva – apresentam uma petição da sua limpeza de sangue.  Nós, editores, pensamos que a resposta a esta petição possa ser o alvará de 1638 que apresentámos acima.

Fonte – Biblioteca Nacional de Portugal - Reserv. 1203/16 A. fl.212