sábado, 28 de fevereiro de 2015

Covilhã - Inquéritos à Indústria dos Lanifícios XXXII-XXX

    Inquérito Social XXX

      Continuamos a publicar um inquérito social “Aspectos Sociais da População Fabril da Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria” da autoria de Luiz Fernando Carvalho Diasrealizado em 1937-38.
  
   Hoje prosseguimos a apresentação de alguns "documentos históricos" incluídos na 2ª parte deste Inquérito. O primeiro é o Regimento de 1690.   O Regimento dos Panos, que estamos a divulgar, foi publicado pelo Doutor Valério Nunes de Morais, no ano de 1888 no jornal “Correio da Covilhan”; faz parte da sua “Memoria Historica Ácerca Da Industria De Lanificios Em Portugal” (1)
Recordemos a opinião que Luiz Fernando Carvalho Dias já veiculou neste mesmo Inquérito (2ª Parte):
“O Regimento de 1690, nos seus 107 capítulos, adaptou às novas necessidades da indústria o velho Regimento de D. Sebastião, que vigorava desde 1573. Para a elaboração do regimento ouviram-se todas “as pessoas inteligentes e de confiança” e “ os povos e as camaras das terras” onde se fabricavam os panos, como era costume numa monarquia onde o Cesarismo era uma palavra desconhecida no vocabulário político, procurando ter sempre em vista e harmonia o interesse dos concelhos com o interesse superior da Corôa, representante máxima do interesse da república.
            A indústria representa para os concelhos uma enorme riqueza social pelos braços que emprega e material pela melhoria de vida a que leva às populações. Para o Reino, os lanifícios nacionais significavam uma barreira à evasão do ouro, dispensando a entrada de panos estrangeiros. Embora a indústria nacional os não batesse em qualidade, eles não envergonhavam o país, de tal sorte que D. Luiz da Cunha foi a Londres vestido de bom pano da Covilhã. Com intuitos de protecção à Indústria, publicaram-se várias pragmáticas para obrigar os naturais a vestirem-se de pano fabricado no reino. O Regimento revelou o intuito de melhorar e regular o fabrico das fazendas. Não se esqueceu nele o mínimo pormenor: durante a tosquia a lã devia ser separada de tal forma que, a que era considerada superior na ovelha, era aplicada aos melhores tecidos. Com o fim de obrigar o tecelão a cumprir o Regimento, na fabricação do tecido, levando-o a empregar nele toda a deligência e saber, criaram-se marcas individuais, para distinguir os panos deste e daquele; cada qualidade de pano tinha a sua marca respectiva, para acautelar o público e diminuir os enganos entre os mercadores; cada terra chancelava também os seus panos, para criar brios entre elas; regulou-se o emprego das tintas e os meios de as aplicar; as falsificações puniam-se com multas e quando contivessem matéria criminal, a pena era de degredo por dois anos para as partes dalém; regularam-se as funções de cada mester; o fabrico ficou sujeito à fiscalização do vedor dos panos e à competência jurisdicional do Juiz de Fora.”

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[…]

REGIMENTO (de 1690)

Da Fábrica de Pannos em Portugal


Capitulo XXX

Do fiado que levará o pano Dezocheno dizimado

O pano Dezocheno dizimado levará a ordir dois mil fios, e se ordirá com dois arrateis e tres quartas, em cada ramo e daí para cima e a tecer cinco arrateis, e se seguirá nisso a ordem dos Quatorzenos dizimados.

Capitulo XXXI

Do fiado que levará o pano Vinte-dozeno dizimado

O pano Vinte-dozeno dizimado levará a ordir dois mil fios, e se ordirá com dois arrateis e tres quartas, em cada ramo, e daí para cima, e a tecer cinco arrateis, e se seguirá nisso a ordem dos Quatorzenos dizimados.

Capitulo XXXII

Do fiado que levará o pano Vinte-dozeno dizimado

O pano Vinte-dozeno dizimado levará dois mil e duzentos fios, e a ordir tres arrateis, e daí para cima em cada ramo, e a tecer cinco arrateis e quarta; e no mais a diante terá a ordem dos Quatorzenos dizimados.

Capitulo XXXIII

Do fiado que levará o pano Vinte-quatreno dizimado

O pano Vinte-quatreno dizimado levará dois mil e quatrocentos fios, e levará em cada ramo tres arrateis e quarta, e daí para cima, e a tecer cinco arrateis e tres quartas, e daí para cima; e no mais se guardará a dita ordem dos panos Quatorzenos dizimados.

Capitulo XXXIV

Do fiado que levarão as frizas, com que pente se tecerão, e que não tenham conta, ourelo, ou outro algum sinal

E assim hei por bem, que as frizas que nos ditos meus Reinos se houverem fazer, levarão a ordir setecentos e trinta e dois fios, e não menos; e achando-se que levam menos serão perdidas, no caso em que se perdem os panos Dozenos; e o pente em que se as ditas frizas houverem de tecer, terá de largura dois covados e duas terças menos dois dedos, e isto em todo o pente de torçal a torçal; e levará a tecer em cada ramo de comprimento dos Dozenos tres arrateis, e não terá conta, nem ourelos, nem outro algum sinal; e nas tais frizas poderão deitar lã de palome, e toda outra de qualquer sorte; e querendo alguma pessoa, ou pessoas, fazer melhores frizas, as poderão fazer; mas não de menos sorte, e conta, não sendo buzis, e se medirão por varas pelo festo, e não por covados; e não o fazendo na forma deste Capitulo pagarão pela primeira vez quatrocentos reis, da cadeia e pela segunda oitocentos reis, e pela terceira poderão as frizas, que fizerem fora desta conta, metade para o Védor e a outra metade para quem o acusar.

Dos Pizoeiros

Capitulo XXXV

Da maneira em que os Pizoeiros serão obrigados a fazer os panos, e da pena que haberão, não os fazendo taes.

E porque toda a bemfeitoria, que nos panos se pode fazer, consiste na perfeição, e acabamento deles, na mão dos Pizoeiros, êles serão obrigados a ter vegilância, e cuidado dos panos, que lhes forem dados a pizoar; e serão avisados, que não lavem os ditos panos com barros, nem gredas falsas, nem com outros materiais senão com gredas muito finas, e conhecidas por boas, nem façam avesso algum ao pano, sem primeiro ser bem limpo de toada a poada, e lavado da greda, deitando aos ditos panos toda a quantidade de gredas finas, que a cada um fõr necessário, conforme a sorte, e conta, que tiver; e o Pizoeiro, que o contrário fizer, incorrerá em pena de mil reis para o Vedor, e Captivos, alem de pagar a pessoa cujo for, a perda, que nele receber.

Capitulo XXXVI

Que se não possam tolher as gredas, e as deixem tirar de quaisquer lugares deste Reino, pagando-se o dano ao Senhorio das terras.

E por ser informado, que as tais gredas finas se não achavam em todas as partes senão em certos lugares de meus Reinos: Hei por bem, e me praz, que da publicação deste Regimento em diante, as ditas gredas não tolhão, nem possam tolher, e as deixem livremente cavar, e tirar de qualquer lugar e parte aonde as houver, e se puderem achar sem a isto ser posta duvida, nem contradição alguma: e estando as ditas gredas em terras maninhas, e no Concelho, ou estando em terras Senhorios, as poderão pagar, e tirar as pessoas cujas forem as herdades, e terras donde as quizerem tirar, a valia das terras, que cavarem, ou dano, que nelas fizer; o que assim hei por bem, havendo respeito a serem tão necessárias as ditas gredas, e sem elas não poderem os ditos panos ser limpos, e perfeitos, e se achar que erros e imperfeição, que os Pizoeiros até agora nelas faziam, eram por falta das ditas gredas.

Capitulo XXXVII

Da maneira que o Pizoeiro pizoará o pano Dozeno

O Pizoeiro deitará ao pano Dozeno toda a greda necessaria para que seja bem lavado, e limpo da suarda, e o deixar andar na pia com a greda o tempo necessario, desembrulhando-o quatro vezes antes de ser acabado de lavar; e depois de o tal pano estar bem limpo, e lavado, o Pizoeiro o envazará, e cardará do avesso, dando-lhe seis traites bem dados, e assentados a tres entradas a cada calada, dos quais lhe darão quatro palmares de mão, que são entre mortos, e contras, e lhe darão um traite de recosta, e outro de vivo; e não fazendo o dito pizoeiro os ditos panos na maneira sobredita, pagará por cada vez, que nisso incorrer dois mil reis, metade para o Vedor dos panos, e a outra para quem o acusar.

Capitulo XXXVIII

Que prossegue a ordem, que o Pizoeiro há de ter acabado o pano de cardar.

E cardado o pano pela ordem sobredita do avesso, o Pizoeiro encherá a caldeira de agua clara, e limpa, sem lhe deitar dentro material algum de cinza, nem sabão a qualquer caldeira não será de menos grandeza de quinze quarteirões de agua, e depois de estar quente, e começando a ferver, o Pizoeiro deitará o pano na pia; e lhe soltará o pizão, e a agua fria para a caldeira, em compasso necessario e da caldeira quente para o pano no mesmo compasso, e com grande vigilancia, e com uma vazilha grande deitará a água fervendo no pano até que esteja muito bem molhado, e quente, dar-lhe-à um banho de sabão, como lhe parecer necessario, e tanto que lho der, e daí a pouco espaço desembrulhará, e despegará, e assim desembrulhado tornará à pia, trazendo sempre a caldeira muito quente, e lhe irá dando outro, e outros banhos de sabão até o pano fazer escumas limpas, e claras, por onde se conhecerá que eestá lavado, e a dará desta maneira até que imbeba, e recolha em si o terço, pouco mais ou menos, e desembrulhando o pano sempre muito a miudo, para que se não pegue, nem faça mais em uma parte que em outra; e depois que for acabado de infrutir (enfurtiar percha) o Pizoeiro lhe tirará a agua quente, e lhe deitará agua fria em muita quantidade, e o deixará andar com ela até o pano ficar muito bem lavado, e esfriar, e depois o tirará da pia, e recolherá a uma parte, em que esteja escorrendo da agua assentado do avesso.

Capitulo XXXIX

Do que se há-de fazer no pano depois de enfortiado

Depois que o dito pano for enfortiado o Pizoeiro o porá na percha e o cardará todo em face dando-lhe seis traites de palmares mortos e depois de mão, e um de recostas, e acabado de cardar o pano no cavalo de pau o não enxugará no dia em que o acabar de cardar, senão ao outro logo seguinte, para que o pano faça assento algum de lã, e o estenderá, e enxugará, deitado no chão, sem o estirar; o Pizoeiro algum, nem outra pessoa alguma poderá estender, nem enxugar pano pendurado em muro, janela, nem outra parte aonde esteja de maneira, que com o peso da água possa dar de si, e esta ordem de enfortir, e enxugar se terá em todos os panos, de qualquer sorte, e qualidade que forem, salvo naquele que houver de ser descabeçado porque com eles se terá a ordem, e maneira declarada no Capitulo, que fala de cada um dêles; e fazendo o Pizoeiro, ou outra pessoa o contrario, pagará dois mil reis, metade para o Vedor, e a outra para quem o acusar.

Capitulo XL

Do modo como os Pizoeiros farão os panos Quatorzenos e Sezenos.

Os panos Quatorzenos, e Sezenos se lavarão e enfortirão, de modo que se fizer aos Dozenos; porem os Quatorzenos levarão cada um, do avesso oito traites, seis de mão, e dois de vivo, e acabados de enfortir, como no Capitulo dos panos Dozenos se declara se façam o Pizoeiro o trará a descabeçar, dando-lhe primeiro um traite com dois palmares mortos, e o descabeçado uma vez; e descabeçado o espinzará, e tornará ao pizão, e se o Pizoeiro vir, que os ditos panos estão lavados, e enfortidos, quanto lhes é necessario, os cardará do direito: se lhe parecer que não estão enfortidos, os acabará de enfortir, e recolherá a uma parte onde estejam repousados, e no dia seguinte os cardará do direito dando dez traites a cada um, seis de palmares mortos, dois de mão, um de recostas, e outro de vivo, e os porá no cavalo, e ao outro dia os enxugará pelo modo dos panos Dozenos, sob pena de dois mil reis, para o Vedor, e para quem o acusar.

Capitulo XLI

De como os Pizoeiros farão os panos Dezochenos e Vintenos.

Os panos Dezochenos, e Vintenos se enfortirão pela maneira dos Quatorzenos, salvo que se lavarão uma vez em greda, e os trarão a espinzar; e depois de despinzados os trarão a lavar, dando-lhe toda a greda necessaria para que fiquem muito bem lavados e envessados, dando a cada um do avesso cinco traites de mão, e tres de recostas, e um de costas e outro ao vivo, e cardados os deitarão a enfortir como aos Dozenos; e tanto que tiverem os avessos assentados lhes deitarão água fria e os cardarão, dando-lhes dois traites do direito com palmares mortos, e os trarão a descabeçar ao Tosador, que os descabeçará muito bem, e igualmente pondo-os no fio, e descabeçados assim os espinzarão; e tornarão ao pizão, e os deitarão outra vez a enfortir, como de primeiro, dando-lhes todo o sabão necessario até ficarem bem limpos e enfortidos, e lhes deitarão a água fora, e lhes darão do direito seis traites de palmares mortos e os tornarão a trazer a descabeçar; e o tosador que os descabeçar será redondo, e igualmente sem regos, nem vincados, tirando-lhes a lã que parecer se lhes deve tirar, e depois os espinzarão e tornarão ao pizão, e parecendo-lhe que estão já enfortidos, os cardarão; e não estando, os acabarão de enfortir e cardarão do direito, dando a cada um trinta traites, vinte de palmares de mão mortos, quatro de palmares de mão e quatro de contras, e recostas e dois de vivo e tanto que assim forem cardados os enxugarão, e se terá nisso tambem a ordem dos panos Dozenos; e o Tosador que não cumprir o que a ele pertence fazer conteudo nesta Capitulo, pagará quinhentos reis para o Vedor.


Capitulo XLII

Como se pizoarão, e farão os panos Vinte-Dozenos e Vinte-Quatrenos

Os panos Vinte-dozenos e Vinte-quatrenos se farão pela maneira dos Dozenos, e Vintenos, e serão descabeçados tres vezes cada um, e espinzados outras tres vezes, e a cada um dos ditos panos darão mais dois traites do avesso, conforme ao que contem no Capitulo acima; e darão aos Vinte-dozenos do direito sessenta traites, quarenta de palmares mortos, quinze de mão, e cinco de recosta, e vivo; e aos Vinte-quatrenos do direito setenta traites pela maneira dos Vinte-dozenos; e no mais se seguirá a ordem dos panos dozenos, sob a dita pena de quinhentos reis para o Vedor, em que incorrerá qualquer Pizoeiro ou Tosador que assim o não cumprir.

Capitulo XLIII

Que Pizoeiro algum não possa cardar com cardas de ferro; nem as possa ter em sua casa, nem em seus pisões, nem enfortir com cenrada, e da pena que terão

E porque alguns Pizoeiros no cardar dos panos usam cardas de ferro, e no enfortir de cenradas, tudo é um grande prejuizo dos panos: hei por bem, e mando, que daqui em diante Pizoeiro algum não possa cardar nem carde com cardas de ferro, nem as tenha  no pizão, nem em sua casa nem enfurta com cenrada, sob pena de quem o contrario fizer pagará pela primeira vez vinte cruzados, metade para o Vedor e metade para quem o acusar, e pela segunda vez pagará os ditos vinte cruzados, e irá degredado por dez anos para um dos lugares de além.

Capitulo XLIV

Da pena que haverão os Pizoeiros, e quaisquer outras pessoas que estirarem panos

E assim sou informado que alguns Pizoeiros e trapeiros que costumam fazer pano, estiram os ditos panos o que é em grande prejuizo das consciencias dos ditos oficiais e pessoas que nisso entendem, pelo que querendo neste caso prover, e evitar os tais inconvenientes: hei por bem que qualquer Pizoeiro que estirar pano na ausencia da pessoa cujo for, pague vinte cruzados de pena, para o Vedor, e para quem o acusar, e seja degredado para um dos lugares de além; e se a tal pessoa, cujo pano for estiver presente, e consentir que o dito pano se estire, pagará outros vinte cruzados, pela mesma maneira e será degredado por dois anos para um dos lugares de além.

Capitulo XLV

Que os Pizoeiros não possam cardar panos nos pizões senão nas casas das perchas, que para isso serão obrigados a ter, e em que lugares

Outrossim os Pizoeiros não poderão cardar pano algum no pizão, e serão obrigados a ter casas de perchas na cidade ou vila de que tem a roupa que apizoam, e sendo roupa de dois lugares, a terão no principal lugar de mais obragem, e de cujo termo for, posto que esteja mais longe do pizão que o outro lugar; porquanto fui informado que por terem as ditas casas das perchas dos pizões que estão nos lugares apartados e ermos aonde não podem ser vistos, cometem outros erros e danos não os cardarão com a perfeição necessaria e como devem a utilidade e proveito do povo, pelas quais causas e outros inconvenientes que disto se seguem: hei por bem que tenham as ditas casas de perchas nos lugares acima declarados para neles poderem melhor ser visitados pelo Vedor e trapeiros, e se escusarem  a falcidades que se cometem no estirar dos panos nos lugares ermos depois de acabados, o que se não pode fazer estando as tais casas das perchas nas vilas e lugares; e isso se não entenderá nos lugares que tiverem os pizões em seus arrabaldes; porem todos os Pizoeiros em qualquer lugar que tenham os ditos pizões, poderão neles cardar todos os panos do avesso somente, e os do direito os virão cardar no lugar aonde se lhes manda que tenham as perchas, como atrás é declarado; o que assim se cumprirá da publicação deste a trinta dias, sob pena de vinte cruzados em que incorrerá qualquer que assim o não cumprir, a qual pena será paga de cadeia pela primeira vez, e pela segunda quarenta, metade para o Vedor dos panos e metade para quem o acusar.

Capitulo XLVI

Da maneira que os Pizoeiros farão as baetas

            As baetas se não espinzarão de nos, fios e cardos, e espinzados o Pizoeiro as lavará trazendo-as com greda ao Sol, engredando-as tantas vezes que fiquem limpas de todo o azeite, e suarda, e depois lhes farão o direito, sem lhes fazer avesso, e lhes darão no direito vinte traites, dez de palmares mortos, e outros dez de recostas, e vivo, sob pena de qualquer Pizoeiro, que o contrario fizer, pague dois mil reis, metade para o Vedor, e metade para quem o acusar, alem de pagar à pessoa, cujo pano forem, o dano que por isso receberem.

Capitulo XLVII

Da maneira que se pizoarão os picotes

            Os picotes serão lavados pela maneira dos panos verbis, e darão a cada um dos traites do avesso pela mesma maneira dos panos verbis, e os enfurtirão não lhes deixando embeber mais que a quarta parte, e depois de enfurdido lhes darão dois traites somente do direito com palmares mortos, e os encabeçarão, e tornarão ao pizão, e cardarão do direito; e não o fazendo assim, se perderão os panos, e a pessoa que nisso for culpada pagará por cada vez dois mil reis, metade para o Vedor, e a outra metade para quem o acusar, e haverá mais a pena que merecer, conforme a culpa que nisso tiver.

Capitulo XLVIII

De como se farão os guardaletes e panos de cordão

            Os guardaletes e panos de cordão serão envessados pela ordem dos picotes, e enfurtido pela mesma maneira, e vivão a de cabeçar duas vezes dando-lhe, de cada uma delas, dois traites de palmares mortos, ou mais sendo necessários, e enfortidos os cardarão do direito dando-lhe vinte traites, quinze de palmares mortos e cinco de recostas, e vivo, sob pena de dois mil reis, em que incorrerá qualquer que assim o não cumprir, metade para o Vedor, e outra metade para quem o acusar.

Capitulo XLIX

De como são obrigados os apizoeiros a pôr sinal nos panos, que apizoarem, para se saber quem os apizoou, e que não os deixem levar sem serem pelo Vedor vistos

            E porque se possam saber os erros que os panos tiverem nos pizões, hei por bem que nenhum Apizoador apizoe pano sem primeiro lhe pôr o seu sinal que lhes ficará sempre para a todo o tempo se saber por ele quem apizoou o tal pano, e depois de acabado de apizoar e cardar, o mandará à pessoa cujo for, nem o deixará levar de sua casa sem ser visto e ferrado pelo Vedor, em que o dá por bem feito e acabado, sob pena de dois mil reis para o Vedor e quem o acusar.

Capitulo L

Que nenhum Apizoador leve pano a enfortir sem ele estar presente ou oficial examinado que para isso tenha.

            Porque sou informado que os Apizoadores depois de lhe serem entregues panos para os apizoarem os deixam em poder de pessoas que são do serviço dos pizões, e não entendem o que lhes é necessário para os tais panos ficarem em sua perfeição, o que não é causa de não irem infortidos e lavados como devem: Hei por bem, e mando, que daqui em diante nenhum Apizoador lave, nem enfurte algum pano sem ele estar presente ou oficial examinado, sob pena de qualquer que o contrario fizer incorrer em pena de quinhentos reis para o Vedor e para quem o acusar.
(Continua)

Nota dos editores – Doutor Valério Nunes de Morais era natural da freguesia da Conceição, Covilhã, tendo nascido em 1840. Casou com D. Rita Nazareth Mendes Alçada e Tavares Morais. Era jornalista e advogado. Foi procurador à Junta Geral do Distrito da Guarda, por volta de 1868; administrador do concelho da Covilhã anteriormente a 6 de Junho de 1871; de novo procurador, mas substituto, à Junta Geral do Distrito em 1887-89. Faleceu em 1901.



As Publicações do Blogue:

Capítulos anteriores do Inquérito Social:
Inquéritos III - I
Inquéritos IV - II
Inquéritos V - III
Inquéritos VI - IV
Inquéritos VII - V
Inquéritos VIII - VI
Inquéritos IX - VII
Inquéritos X - VIII
Inquéritos XI - IX
Inquéritos XII - X
Inquéritos XIII - XI
Inquéritos XIV - XII
Inquéritos XV - XIII
Inquéritos XVI - XIV
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Inquéritos XXIV-XXII
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Inquéritos XXV-XXIII
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Inquéritos XXVI-XXIV
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Inquéritos XXVII-XXV
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Inquéritos XXVIII-XXVI
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Inquéritos XXIX-XXVII
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Inquéritos XXX-XXVIII
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Inquéritos XXXI-XXIX
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sábado, 21 de fevereiro de 2015

Covilhã - Frei Heitor Pinto I

   O nosso blogue vive do espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias, que continuamos a explorar e divulgar. Sempre soubemos o interesse do investigador por Frei Heitor Pinto, que deu origem em 1952 à publicação de "Fr. Heitor Pinto (Novas Achegas para a sua Biografia)", a 1ª da sua vasta obra. 
  Aquando das comemorações do IV centenário da morte do frade jerónimo, que se realizaram na Covilhã a 2 de Dezembro de 1984, empenhou-se totalmente para que a figura de Frei Heitor fosse mais divulgada.



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    A propósito de monografias, Luiz Fernando Carvalho Dias lembrou Frei Heitor Pinto:
[...] “Não ainda em monografia, mas como simples descrição, registo a primeira imagem da Covilhã em forma literária. Cabe ao nosso Frei Heitor Pinto, o escritor português mais divulgado e com mais edições no século XVI. Trata-se de uma imagem enternecida, como que uma saudade de peregrino a adivinhar exílios, muito embora a abundância dos adjectivos desmereça da evocação:

 “ … Inexpugnável por fortes e altos muros, situada num lugar alto e desabafado e de singular vista, entre duas frescas e perenais ribeiras, com a infinidade de frias e excelentes fontes e cercada de deleitosos e frutíferos arvoredos. […] 

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    Hoje começamos a publicar informações sobre Frei Heitor Pinto. Baseamo-nos em reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias, em fotografias e textos da Exposição de 1984 e na sua obra sobre Frei Heitor Pinto. Esta Exposição Bibliográfico-Documental foi inaugurada no átrio da Câmara Municipal no dia 2 de Dezembro de 1984 e antecedeu uma Sessão Solene comemorativa do IV Centenário da Morte de Frei Heitor Pinto.
  Não estivemos presentes, mas sabemos que o investigador covilhanense terá feito a apresentação da pintura a óleo de Frei Heitor Pinto, que se encontrava na Câmara Municipal da Covilhã. Vejamos os tópicos que encontrámos:

“O retrato de Fr. Heitor Pinto
Retrato do sec. XVIII. Possivelmente influência da acção da Academia de História e da Obra Monumental do Abade de Sever com a sua Biblioteca Lusitana.
Presumimos que o retrato é o do Mosteiro de Belém ou nele inspirado. Como ele existe outro, repintadíssimo, na Faculdade de Letras de Coimbra. História dos Retratos. Mas nada nos garante que seja a vera efígie do hironimita.
O retrato da Biblioteca Nacional que Inocêncio refere, ou desapareceu ou está invisível.
Este foi oferecido pelo Dr. Alberto Osório de Castro ao Dr. Hipólito Raposo. O Dr. Hipólito Raposo tinha uma grande veneração e respeito por Fr. Heitor Pinto. Impressionava-o sobretudo o escritor clássico - o Beirão duro que não verga e o patriota ardente. Na verdade havia em Hipólito Raposo e Heitor Pinto estes três traços comuns.
Desconhecia o meu inesquecível mestre e amigo - porque Hipólito Raposo cultivava a amizade dos seus discípulos - outros possíveis pontos de contacto que eu mais tarde desvendei. Possíveis laços familiares do escritor com S. Vicente da Beira, com os Homens de Brito de S. Vicente da Beira, da Covilhã e do Fundão.
De facto no século XVII esta família usa muito o nome e apelido de Heitor Pinto Cardoso, e apelido Botelho; o de Rodrigo Homem, inculcado como irmão de Fr. Heitor Pinto, e que em 1529, como moço da Câmara del Rei D. João III, é uma das testemunhas do contrato das sisas da Covilhã.

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    Juntamente com a inauguração do retrato quiz a Câmara Municipal da Covilhã que se organizasse uma pequena exposição que lembrasse aos covilhanenses de hoje o seu ínclito conterrâneo.
Que contém essa exposição? Fotografias de alguns documentos relacionados com (os) factos mais salientes da vida de Fr. Heitor Pinto:
a) sua profissão em Belém (Mosteiro dos Jerónimos) e o interesse que este documento tem para fixar a sua naturalidade.
b) Os documentos da sua questão com a Universidade de Salamanca onde pretendeu reger uma cadeira de exegese bíblica. Esta questão revela-nos um Fr. Heitor Pinto familiarizado com as altas questões científicas da sua época: a exegese biblica feita através da linguística e o rejuvenescimento dos textos através da nova interpretação.
c) Os documentos do seu doutoramento em Siguenza. Note-se que Fr. Heitor Pinto se apresenta em Siguenza, não como estudante dessa Universidade, mas com a prova dos seus cursos de Coimbra. Embora Doutor em Siguenza, estudou em Portugal começando por Guimarães no Convento da Costa, após uma acidental passagem pelos claustros de Salamanca e de Coimbra, discente de Artes e de Leis, frequentou depois as lições de vários mestres de Artes e Teologia em Santa Cruz de Coimbra e nos Gerais da mesma Universidade.
Frei Heitor Pinto, escritor de primeira plana e teólogo de categoria europeia, é filho da nossa Universidade, da hoje tão caluniada Universidade Portuguesa.
d) Também a exposição oferece fotocópias dos documentos da prisão de Heitor Pinto. Todos nós temos muita honra que Fr. Heitor tenha sacrificado a sua vida pela independência da Pátria e creio que não  atraiçoo a sua memória, lembrando nesta hora como um dos seus títulos de glória.
e) As edições de Fr. Heitor Pinto, a sua variedade e o seu volume, demonstram a categoria do escritor e como a Europa culta, mesmo depois do seu desterro, ficou fiel ao seu ensinamento e presa da elegância e do valor do seu verbo. Pode-se dizer que Heitor Pinto é dos poucos escritores portugueses do século XVI que vê multiplicarem-se as edições das suas obras nos prelos portugueses e espanhóis, franceses, italianos e flamengos. (Mais tarde apresentaremos uma lista das edições das suas obras).
f) Alguns livros mostram como Heitor Pinto foi lembrado pelos seus conterrâneos através de memórias, jornais, monografias e outros escritos.”

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Integrada nas comemorações do covilhanense Frei Heitor Pinto, foi ainda celebrada uma missa no dia 19 de Agosto de 1984, onde no meio dos presentes descortinamos Luiz Fernando Carvalho Dias:

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Covilhã - Os Forais XX

    Continuamos a publicar documentos do século XIX relacionados com a reforma dos Forais. Luiz Fernando Carvalho Dias deixou-nos vários estudos e algumas reflexões sobre o assunto.

 […] “A carta régia que em 1810 abriu caminho aos estudos da Reforma dos Forais começou a ser executada em 1812 e da Comissão faziam parte João António Salter, que presidia, Trigoso e mais dois canonistas, um dos quais João Pedro Ribeiro.
Informa Trigoso que a carta régia de inspiração de D. Rodrigo de Sousa Coutinho “não tinha outro fim mais que paliar a funesta impressão que haviam de fazer” os tratados com a Inglaterra, tão prejudiciais à nossa indústria, que o mesmo Ministro assinara então. Destinava-se ainda a procurar o meio de “fixar os dízimos, minorar ou alterar o sistema das jugadas, quartos e terços, fazer resgatáveis os foros e minorar ou suprimir os foraes” […]

     O liberalismo é um momento importante no sentido desta mudança, pois, como dizia Melo Freire substituir os forais era tão urgente como o Código Político. No entanto as opiniões divergiam, embora haja passos importantes que não podem ser esquecidos:
- Já do Rio de Janeiro, numa Carta Régia de 1810 dirigida ao clero, nobreza e povo fora ordenado aos governadores do Reino que tratassem dos meios “com que poderão minorar-se ou suprimir-se os forais, que são em algumas partes do Reino de um peso intolerável”.
- Em 1811, a Mesa do Desembargo do Paço expede ordens para que os corregedores das comarcas averiguem esse peso dos forais.
Em 17 de Outubro de 1812 a Regência cria a Comissão para Exame dos Forais e Melhoramentos da Agricultura.
- Em 1815, D. João volta a querer que se investigue sobre “os inconvenientes que da antiga legislação dos forais provinham ao bem e aumento da agricultura”.
- É já nas Cortes Constituintes, em 1822, que é promulgada a chamada “redução dos forais”.
- A contra-revolução miguelista, em 1824, revoga as anteriores medidas.
- Marco essencial é a reforma de Mouzinho da Silveira (1832) em que desaparecem os foros, censos, rações e toda a qualidade de prestações sobre bens nacionais ou provenientes da coroa, impostos por foral ou contrato enfitêutico. Na verdade o governo de D. Pedro pretendia fazer uma revolução da agricultura e social que atingisse a nobreza, o clero, os municípios, os desembargadores, os donatários, tomando medidas como: extinção dos morgadios e vínculos que não ultrapassassem os 200000 réis de rendimento líquido anual; supressão das sisas sobre transacções; extinção dos dízimos; nacionalização dos bens da Coroa e sua venda em hasta pública.
- A reforma continua pelo século XIX.

Memória sobre as Sesmarias

Snr.

            A lei das Sesmarias que se contem no Liv. 4 Tit 43 da Ordenação Filipina tem adquirido entre nós uma tão grande celebridade que um moderno e excelente escritor a apelida santissima e outro não duvida afirmar que só ela cuidadosamente observada basta para fazer florente a Agricultura. Porem será este juizo ligeiramente pronunciado (=sic. corregido a lapis para proferido) e sem lhe preceder um exame bem reflectido da dita Lei será talvez um efeito da respeitosa impressão que em nós devem fazer as antigas instituições patrias, e os costumes dos nossos maiores ou tambem uma cega superstição (de que muitos grandes homens (sic= corrigido para sabios) não são izentos) por tudo aquilo que traz a sua origem da antiguidade e já hoje se não pratica, e será pelo contrario o resultado da convicção intima da perfeição da dita Lei, e da utilidade que resultaria dela ser sujeitada (a lapis: Eu aqui o que pretendo examinar nesta Memória).
            Em assunto tão interessante não pode esta Comissão deixar de manifestar a V.A.R. a sua opinião, considerando esta Legislação Historica, juridica e economicamente e discutindo o prejuizo ou as vantagens que da sua observancia e instauração se pode ou não seguir no titulo presente e na nossa situação e actuaes conhecimentos.


D. Afonso II

D. Fernando
Primeiro Periodo

            A Lei das Sesmarias é talvez a mais antiga lei agraria de Portugal pois que já dela se acham vestigios no Reinado do Snr. D. Afonso 2º (Riscado: Este Principe deu a um Joane Eanes um olival proximo a Coimbra porque os Padres da Igreja de S. Bartolomeu daquela cidade a quem pertencia, o não amanharam havia tres anos: impondo ao novo possuidor a obrigação de pagar à mesma igreja a pensão que os homens bons arbitrasse. Elucidario. Palavra sesmaria.)
            Porem foi o Snr. Rei D. Fernando o primeiro que redusio esta materia a uma lei geral que publicou em Santarem a 26 de Maio do ano de 1375, a qual depois se transcreveu no principio do Tit. 81 do Liv. 4 da Ordenação Afonsina. Esta lei pode-se redusir aos artigos seguintes.
1) Que todos os que tivessem herdades suas proprias ou emprazadas fossem constrangidos a lavrá-las e semeá-las por si; e mostrando que as não podiam cultivar todas, lhes fosse licito dar parte delas a outro lavrador, que as lavrasse e semeasse por pensão certa ou foro.
2) que não cultivando os proprietarios as suas herdades por si ou por outrem dentro do tempo que lhes fosse assinado, fossem elas dadas a lavradores que as lavrassem e semeassem sob certo tempo e por pensão certa; sem que o senhor os pudesse tomar para si nem tirá-las durando o dito tempo, àquele a quem houvessem sido dadas; e ficando a dita pensão para o bem comum, em cujo termo estivessem essas herdades.
3) Que em cada Comarca houvesse dois homens bons aos quaes pertencesse examinar todas as herdades que deviam lavrar-se e aproveitar-se, constranger a isso os senhorios delas, taixar a renda ou pensão que estes devião exigir, no caso em que por si as não cultivassem e dar essas herdades a outros uma vez que seus donos faltassem àquela obrigação.
Eis aqui em suma as determinações da Lei do Snr. D. Fernando das quaes conclue a grande decadencia a que no seu tempo tinha chegado a Agricultura; bem o experimentou aquele principe e por isso se lastima de que em todas as partes do Reino se sentia muita falta de trigo e de cevada de que ele dantes era muito abastado entre todas as terras e provincias do mundo; sendo a principal causa disto a falta da lavoura que os homens abandonavam, aplicando-se a outros oficios menos proveitosos, e deixando incultas e desamparadas as suas terras e herdades.
            Mas pode-se bem entender que isto que a Lei aponta como causa daquela decadencia fosse antes o efeito do concurso doutras causas, as quaes ainda então se poderião remover de um modo mais suave e que desse um beneficio mais permanente à agricultura, qual lhe não deu a referida Ordenação. Na história do brando Reinado daquele principe se poderião ir buscar as verdadeiras causas daquela falta de cultura, se na queixa dos povos, expostas nos artigos 43, 47, 48 das Cortes de Lisboa de 1371, não mostrassem as mais proximas desse acontecimento. Assim não foi directamente o favor da Agricultura o que motivou esta lei, como apregoam os nossos escritores; foi antes um remedio violento com que se julgou necessario obstar por então à ruina total do Reino, constrangendo-se pelo temor das penas os proprietarios a fazerem aquilo mesmo que eles foram de mui boa vontade e sem coação alguma, uma vez que ou lhes facilitassem os meios ou lhes removessem os obstaculos.
            É verdade que o Senhor D. Fernando deu sabiamente na sua lei varias providencias sem as quais debalde poderia obrigar os proprietarios a cultivar as suas terras; para isto mandou primeiro que os gados de que os lavradores necessitassem fossem taixados por preços comodos pelas justiças dos lugares ou por vedores para isto nomeados. 2º que a profissão de lavrador fosse hereditaria; que todas as pessoas que não tivessem oficio de utilidade publica em que se empregassem, que os que seguiam a Corte com o titulo de creados do Rei, Infantes ou Fidalgos, sem estes por tais os reconhecerem, que os vadios ou mendicantes e os que andassem em habitos Religiosos sem serem professos em alguma das Ordens aprovadas, todos estes fossem constrangidos paara usar do beneficio da lavoura, ou constrangidos e apremados para servirem com os que dele usavam por soldada e preço aguisado e taixado. 3º) que ninguem trouxesse gados seus ou d’outrem se não fosse lavrador ou creado de lavoura (riscado: pois que a experiencia mostrou que muitos se aplicavam a esta negociação a qual era causa de ficarem as terras sem serem semeadas nem lavradas e de entrarem os gados pelas coutadas e herdades alheias.)
            Porem ao mesmo tempo que merece todo o Louvor a sabedoria com que a Lei considerou como conexos e ligados entre si estes objectos, a saber, a cultura das terras e a abundancia dos gados e concorrencia de jornaleiros que ela de necessidade exije, não se compreende bem como se pudesse promover num paiz a creação dos gados com uma lei que aterrasse os creadores, permitindo somente aos lavradores haver e trazer os gados quantos lhe comprissem e mester houvessem para seus mantimentos e para sustentamentos da sua lavoura. (Riscado: Sobretudo é notável que fosse precisa tanta coacção e constrangimento e tantas vezes repetido para os homens se destinarem a uma ocupação onde eles podiam achar não só os meios suficientes para uma comoda sustentação mas ainda os de enriquecerem e prosperarem: por certo quem olhar com) Sobretudo é preciso confessar que a profissão de lavrador era neste tempo a mais desgraçada, pois que todas as cousas que eram necessarias para ela se praticar, se faziam à força, sujeitando-se o mesmo preço dos trabalhos a taixas opressivas. E depois disto não se diga que o Snr. D. Fernando promoveu admiravelmente a lavoura, e que a agricultura no seu tempo tinha chegado a grande prosperidade.

Segundo periodo

D. João I
D. Duarte


D. Afonso V
            Contudo esta lei subsistiu, e mereceu os cuidados dos soberanos portugueses posteriores ao Snr. D. Fernando que declararão ou alterarão algumas das suas disposições. Assim o Snr. D. João 1º em 1427 confirmou um sesmeiro na Vila de Estremoz para poder dar de sesmaria as terras desaproveitadas, perdendo os senhores delas todo o dominio o qual passaria para aquele aquem novamente fossem dadas. Este perpetuo dominio substituido pelo Snr. D. João 1º ao dominio temporario que havia concedido o Snr. D. Fernando passou depois para todas as Leis e Ordenações que trataram das sesmarias. O Snr. D. Duarte em 1436, deu Regimento ao sesmeiro de Estremoz, o qual se contem na citada Ordenação Affonsina e fez depois parte da Ordenação Manuelina e Filipina nos titulos respectivos, de maneira que parte do § 1º e os §§ 5.6.7.8 da Ordenação Filipina (riscado: que sujeitam à Lei das Sesmarias os bens dos grandes e Fidalgos que dão o conhecimento das causas que se sujeitarem sobre a execução da Lei aos almoxarifes nas terras sujeitas à coroa, e aos juizes ordinarios nas izentas, que modificam e limitam a mesma lei a respeito dos bens das capelas, hospitais e confrarias, e a declaram a respeito dos bens dos ófãos e dos daqueles que andam homisiados fora do Reino; que tolhem finalmente todos os subterfugios com que a malicia dos homens costumava preverter os fins da lei, dando uma cultura inutil e má às suas herdades para mostrarem que as não deixavam incultas: todos estes §§ teem por sua primeira fonte o dito Regimento do Snr. D. Duarte.)
            Finalmente o Snr. D. Afonso V, incluindo nas suas Ordenações as Leis dos Snrs. Reis D. Fernando, D. João 1º e D. Duarte, mandou que as duas ultimas fossem em tudo guardadas e quanto à Lei do Snr. D. Fernando que fala das lavouras e pastores de gado quiz se guardasse o costume do Reino, tirando quanto aos pedintes a proibição que havia deles pedirem esmolas.
            Nesta segunda forma que se deu à Lei das Sesmarias pelos tres Reis sucessores do Snr. D. Fernando há cousas mui dignas de se notarem. Pois que 1º em lugar de se seguir corrigindo-se e aperfeiçoando-se quanto fosse possivel, o sabio sistema que considerava como conexas e inseparaveis a cultura das terras, e a creação dos gados e a concorrencia de jornaleiros, se desligaram absolutamente estes objectos e assim continuaram a conservar-se separados nas Ordenações posteriores. 2º A Lei do Snr. D. Fernando ainda quando os proprietarios não queriam amanhar as suas herdades nem por isso lhes tirava para sempre o dominio delas mas só temporariamente; ao contrario, as leis posteriores lhe tiram para sempre este dominio para o conferirem àquele a quem os sesmeiros dão as ditas herdades. Ora não se pode bem conceber como seja justo tirar a um proprietario a sua terra quando se vê nas tristes circunstancias por causas a ele estranhas, de a não poder cultivar por si ou por outrem; 3º ou castigar um filho e reduzi-lo à desgraça pela culpa dum pai estragado e indolente, ao qual as Leis mandam dar curador para a administração dos seus bens.
            Nem se pode opor que o bem geral do Estado legitima medida tão violenta porque pela mesma razão deveria compreender a lei das Sesmarias os bens das Igrejas, Capelas, hospitais e confrarias, que dela são exceptuados; pois se é suficiente nestes casos a providencia de serem os seus administradores constrangidos a aproveitá-los debaixo de certas penas, o mesmo se poderia determinar a respeito de outros senhores e proprietarios sem que fosse necessario tirar-lhes o dominio desses bens.
            Mas há uma cousa que prova a ineficacia da Lei das sesmarias, mais do que todas as razões e argumentos que a este respeito se poderiam acumular, e é que nunca essas leis se executaram em toda a sua extensão nem delas se seguiu a utilidade que se esperava pois que a pesar de tão instantes e eficases providencias, a Agricultura continuou na decadencia em que tinha caido desde o Reinado do Snr. D. Fernando. Nem se diga que o estado politico do Reino, as desordens civis, as guerras e as conquistas impediam a prosperidade da Agricultura, porque as mesmas guerras e discordias haviam ocorrido no tempo dos Reis precedentes e contudo Portugal povoou-se e cultivou-se; e não foram as primeiras conquistas as que nos levaram tanta gente que ficasse o Reino empobrecido e deserto, como sucedeu em tempos posteriores com a conquista da India. De maneira que se pode dizer com verdade que as leis das Sesmarias forão danosas, pelo menos ineficases para a prosperidade da agricultura.
(Continua)


(Lisboa 10 de Março de 1813)


Fonte - BNP Reservados

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