sábado, 12 de julho de 2014

Covilhã - Os Ventos do Liberalismo/ Os Ventos do Miguelismo I




O século XIX é um período de grandes transformações políticas, económicas e sociais. A Europa ferve com Napoleão e as suas invasões. Portugal, à vista dos exércitos franceses de Junot, vê a Corte deixar Lisboa a caminho da colónia Brasil. As consequências são imensas, já que o país continental fica sem cabeça, Lisboa perde muita gente e a influência francesa e inglesa é manifesta. Ao contrário, o Brasil passará por um grande desenvolvimento a todos os níveis. A família real vai vivendo ao sabor dos ventos tropicais, até que a Revolução liberal de 1820 a acorda para a realidade europeia. Os revolucionários liberais (anti-absolutistas) instituem a Junta Provisional que de imediato toma algumas medidas:
- Preparar eleições para as Cortes que devem elaborar a Constituição (de 1822);
- Exigir o regresso do Brasil do Rei D. João VI que deve jurar a nova Constituição (de 1822);
- Promulgar a Constituição (de 1822), cujas características liberais eram demasiado progressistas e até radicais para o seu tempo.
D. João VI regressa a Portugal, mas deixa, como regente, D. Pedro, o filho mais velho, que em 7 de Setembro de 1822, dá “O Grito do Ipiranga”, ou seja, declara a independência do Brasil, à semelhança de outras colónias europeias que se vão tornando independentes.
D. João, ao jurar a Constituição, sinal de “a Ordem Nova”, e ao governar duma maneira dúbia vai ter contra si a rainha D. Carlota, o filho D. Miguel e todos os defensores do absolutismo, representantes de “a Ordem Velha”.


Gravura sobre a Vilafrancada

Assim, a Vilafrancada e a Abrilada vão abrir fogos em alguns pontos do país e criar elos com a Espanha (e a Europa) absolutista; mas as derrotas obrigam D. Miguel a exilar-se de Maio de 1824 até 1828. A acalmia política não estava fácil e as tensões voltam a manifestar-se quando, em Março de 1826, o Rei D. João VI morre sem ter escolhido sucessor, remetendo o assunto para um Conselho de Regência presidido por sua filha mais velha, D. Isabel Maria. Esta envia ao Brasil uma delegação, para que D. Pedro, o primogénito de D. João VI e 1º Imperador do Brasil, decida o que fazer no respeitante à sucessão. Na verdade D. Pedro, embora filho mais velho tornara-se brasileiro e portanto traidor perante alguns portugueses; por sua vez o exilado D. Miguel não era aceite pelos liberais, devido às suas ideias absolutistas.
D. Pedro, com a finalidade de acalmar e unir o país, teve a “brilhante” ideia de outorgar aos portugueses uma Carta Constitucional (de 1826) de cariz mais moderado que a Constituição de 22 e de abdicar o trono português na sua filha D. Maria da Glória, criança de 7 anos. Esta deveria casar com o tio D. Miguel que deixaria o exílio. Em Portugal, D. Miguel comprometer-se-ia a jurar a Carta e a reger o Reino em nome da sobrinha e futura mulher. Se a Constituição não satisfazia os mais moderados, a Carta Constitucional era considerada antidemocrática pelos vintistas.

Encontrámos no espólio e nas publicações de Luiz Fernando Carvalho Dias alguns documentos que comprovam a ocorrência de actos revolucionários e contrarrevolucionários na Covilhã oitocentista. Houve muito descontentamento, reuniões secretas da maçonaria ou doutras associações (“sociedades denominadas patrioticas”), prisões, exílios, mortes, quer de miguelistas, quer de liberais constitucionalistas ou cartistas. Que miguelistas? Que liberais?

Os documentos sobre a Covilhã, que começamos a apresentar, acompanham a guerra civil que os portugueses viveram ao longo de várias décadas do século XIX: a Vilafrancada miguelista em Maio de 1823; a Abrilada em Abril de 1824, cuja derrota obriga D. Miguel a abandonar o país; a morte do rei D. João VI em Março de 1826 e o início da Regência da Infanta Isabel Maria; a Carta Constitucional; a abdicação de D. Pedro em sua filha Dona Maria; o regresso de D. Miguel em 1828 e o país virado do avesso.
(Continua)

OS REAIS INTERVENIENTES: 
      
Dona Maria I

D. João VI

D. Carlota Joaquina

Dona Isabel Maria

D. Pedro IV e 1º Imperador do Brasil

D. Miguel I

Dona Maria II  (Jovem)

********

   Hontem dezasseis de Junho pelas 5 horas da tarde pouco mais ou menos recebi o ofício de V. S.ª datado de 11 do mesmo mez, em que ordena faça trancar as casas das sociedades denominadas patrioticas no caso de as haver no distrito desta jurisdição, intimando os socios na pessoa de qualquer deles que jamais se tornem a ajuntar debaixo da pena de procedimento rigoroso contra os infractores na conformidade das leis deste Reino, dando depois parte a V. S.ª do que praticar a este respeito, fiscalisando o cumprimento da intimação.
            Hoje mesmo 17 do corrente mandei executar esta ordem de V. Ex.ª e pelo primeiro darei parte a V. S.ª da execução.
Deus guarde etc...

Covilhã 17 de Junho de 1823

Ill.mo Snr. Intendente Geral da
Polícia da Corte e Reino Dr. Simão
da Silva Ferraz de Lima e Castro
                                                                       O Juiz pela ordenação
                                                                       João Alvares Feio


********
Levo ao conhecimento de V. S.ª que aparecendo ferido Clemente José Lucas, desta Vila, couro e carne cortada, com instrumento contundente, na cabeça, da parte esquerda, se procedeu a devassa.
Apareceu um Joaquim, filho de um João José da Fonseca da mesma Vila, com outros ferimentos no lado, que se diz feito com instrumento cortante e preforante e está para se proceder.
Em os dias de Luminarias postas por ter S. Mag.e reassumido o pleno poder da soberania, em que todos exultaram de gosto em varias horas da noite, entraram a despedir-se pedradas, caindo sobre os telhados, com estragos destes, e nas ruas com risco de perigo nas gentes e perturbação do socego publico e do gosto e alegria alvoroçaram-se as gentes escandalisadas e indo saber donde se despediam e o que aquilo era, se prenderam dois que se desconfiava eram os autores destes desatinos; estão na cadeia e estou a proceder e do resultado darei prontamente parte a v. S.ª
Dos povos deste distrito não tenho ainda noticia porque ainda se ma não participou coisa alguma o que espero amanhã, dia em que se costumam vir fazer as participações e do que ouver também darei parte a V. S.ª fiel e prontamente. Deus guarde a muito respeitavel pessoa de V. S.ª como fiel e sinceramente desejo.

Covilhã 21 de Junho de 1823

Ill.mo Snr. Intendente Geral da
Polícia da Corte e Reino
                                                                       O Juiz pela ordenação
                                                                       João Alvares Feio

********

1823 – Treslado da Devassa a que procedeo o Doutor Juiz Manuel de Mello Freire de Bulhoens em virtude da Portaria que lhe foi expedida pella Secretaria de Estado dos Negocios de Justiça pella achada de trastes pertencentes à Seita Maçonica.

Começa pelo Auto de devassa: 21 d’Agosto de 1823 – os achados tiveram lugar no forro dum quarto que serve para o recolhimento de lãs lavadas no 2º andar, para o lado da Ribeira, na Real Fábrica de Lanifícios desta Vila, cujo dominio é hoje de Antº. Pessoa de Amorim, em 22 de Julho do corrente ano, como consta da Portaria que a ordenou e auto de achado adiante e para servir de conhecimento da verdade e dos socios da dita Seita. Escrivão António Teixeira de Mendonça.

O auto do achado é datado de 22 de Julho.

Consta que foi à dita fábrica o referido juiz – com o Dr. Conservador das Reais fabricas de Lanificios das 3 Comarcas Antº. Joaquim de Carvalho, com o escrivão sobredito e os 2 Escrivães do Juizo, da mesma Conservatoria Antº. Delgado Feio e José Pedro d’Almeida Pinto para procurarem trastes da Seita em virtude do rumor constante e geral que havia em toda a Vila. Examinaram três salas, quartos e oficinas e em um forro dum quarto que serve de recolhimento das Lãs lavadas, no 2º andar, p.ª o lado da ribeira acharam uma gradaria de pau com colunas pelo meio de papelão em forma de varanda, forrada de paninho azul claro com algumas das guardas quebradas que pareciam ser de fresco, tudo guarnecido de francelim de seda, da mesma côr; dois canudos de lata da grossura de dedo e meio e comprimento de 3 palmos e dois dedos cada um tendo na extremidade cada um pegado uma elevação ou globo redondo em forma de arieiro com muitos pequenos buracos e duas pirâmides pequenas para se lhe segurarem pavios de que ainda apareceram vestígios, tendo dentro os ditos canudos grande porção de incenso moído, e uma armação de paus que mostrava ter sido feita p.ª guarnição de grande casa ou sala, tendo suas missagras e dando indícios de haver sido toda forrada de pano preto, de que se acharam vestígios, tendo a referida armação um pequeno portado no meio, dois socalcos de pau pequenos, quebrados, ou pedestrais de largura de palmo e meio e altura duma mão travessa, em forma de meio alqueire, forrados pelo lado de fora de papel dourado que mostravam serem para neles se firmarem as pirâmides ou colunas, pois que no centro de cada um há um círculo redondo, com muitos pregos, bocados de papelão ainda pegados, que igualmente mostravam terem sido dali arrancadas as ditas colunas ou pirâmides; um pé de meza que figurava ter sido desmanchada por se lhe acharem pregos e ter sido feito de novo, tendo o dito pé ainda brochos e nas cabeças destas se viam ainda resquícios de paninho azul claro com que havia sido forrado e proximo deste quarto há um outro para o lado de cima em que se encontrou, em circunfrencia de ferro, escapulas de pau metidas na parede com ganchos e pregos virados em que figurava um cordel com bocados d’outro cordel atados e pendentes e grande porção destes em pedaços no chão, e detraz da porta do mesmo quarto se achou uma pequena porção de cinza de papel queimado no meio do qual se achou o bocadinho de papel queimado em roda e aqui em frente pegado com obreia, no estado em que se acha, tendo escrito as seguintes palavras – psoa – e por baixo destas letras a seguinte – Fortaleza – de que tudo o dito ministro mandou fazer este auto etc. por ter encontrado na dita fabrica às 11 horas da manhã do dito dia. 
-Ms. de 26 fls. manuscritas e as duas ultimas em branco – caderno
Depósito: nas mãos de José Tavares Cardona desta Vila.


********
           
Ill.mo e Ex.mo Senhor

Tenho a honra em receber o Aviso de V. Ex.ª de 29 do p. p. mez e cumpre-me levar ao conhecimento de V. Ex.ª que nos tempos do extinto governo revolucionario existiu em esta Vila um clube ou loja maçonica e tão descarada que ainda depois de tres meses de nossa feliz restauração quando continuei nas funções do meu cargo, fui achar na mesma casa parte dos utensilios dela e formando deles o corpo de delito, procedi a devassa que por Aviso da Secretaria dos Negocios da Justiça, remeti para a Relação do Porto pronunciando, com prova, a meu pensar, super abundante aquele que mandou fazer os dois utensilios, não podendo verificar-se quais eram os mais socios, e que suponho talvez conseguisse se obtivesse a prisão deste, por suas confissões usando-se os meios adequados, porem ele poucos dias depois que aqui cheguei se ausentou sem que mais tornasse a aparecer; a aflição porem que se mostrou em eu proceder a devassa, o chegaram até a ter a ousadia de pretenderem subornar-me e fazer com que a tirasse, oferecendo-me indirectamente grandes quantias, e outros muitos indicios extra judiciais me fazem persuadir que outros existentes nesta Vila e hoje alguns nessa cidade pertencem à seita, e que foram operarios nesta loja; e os quais, talvez por conhecerem minha firmeza, presumo são os que tem a V. Ex.ª dirigido as cartas anonimas, e que tem motivado meus temporarios dezassocegos.
..........................................................................................................................................................................................................................................................................

Covilhã, 4 de Janeiro de 1825.

Ill.mo e Ex.mo Snr. Simão da Silva Ferraz de Lima e Castro

                                                             O Juiz de Fora
                                               Manuel De Melo Freire de Bulhões

********

                        Ill.mo e Ex.mo Snr.

            Tive a honra em receber o oficio de V. Exª de 8 do corrente e cumpre-me o levar a seu conhecimento que tendo feito as possíveis indagações e ainda não pude obter a mais leva noticia de que na noite de 2 do corrente houvesse uma reunião clandestina nem que no dia antecedente tivese daqui saído o general da Província e só pude saber que este saiu daqui na meada de Agosto indo à Vila de Manteigas, pela serra, e voltando por Valhelhas, para onde tinha sido mandado o frade Braga, e que nesses dias se tinha evadido, indo-se a prender, dizendo-se que ele ia ver uns insignificantes banhos sulforosos que há em aquela Vila de Manteigas e que recolheu no mesmo dia; sabe mais que ele nos fins daquele mês de Setembro passado, estando ele ainda fora, se juntaram em a Fábrica e casas aonde em outro tempo se acharam uns utensílios da loja maçonica, varias pessoas, sendo hospedadas parte em casa de um Simão Pereira, sobrinho do dono da fabrica, que cuida dela, que foi pronunciado como o que tinha mandado fazer os tais utensílios, e soube que entre os que se juntaram foi Albuquerque, de Castelo Branco, que foi demitido do Comando do Regimento de Milícias daquela cidade, e havido por constitucional, não sendo de minha lembrança o ter ele vindo aqui, excepto quando em companhia de Azeredo, general que então era, se vieram alistar em uma sociedade que aqui então se instalou, denominada literaria-patriotica, e ignoro que tenha amizade alguma ou conhecimento com o dito Simão senão pela conformidade de sentimentos constitucionais que em outro tempo mostraram; concorreu mais um Raposo do Fundão que foi há anos Provedor de Castelo Branco, e outros mais daquela Vila e mais partes, sendo certo todos homens que noutro tempo foram muito constitucionais e hoje muito suspeitos, e eu estou bem persuadido que o objecto da sua vinda não foi para bom fim porem não me tem sido possível saber o que fizeram, pois que estiveram em uma casa da fabrica, chamada Malufa, aonde vive o dito Simão, e aí só ficou uma rapariga que presumo trabalha com o ofício de criada, e só por ora tenho podido saber que quando entrou um dos operários ainda encontrou alguns lavando-se e que depois de almoçar se deitaram a dormir o que ainda não tinham feito durante a noite e que só pelos fins da tarde jantaram e se foram. ......

            Covilhã, 18 de Outubro de 1825.

Ill.mo e Ex.mo Snr. Simão da Silva
Ferraz de Lima e Castro

                                                             O Juiz de Fora
                                               Manuel De Melo Freire de Bulhões


********

Ill.mo Senhor

Levo ao conhecimento de V. S.ª que hoje fiz convocar camara geral e nela li a proclamação da Sereníssima Senhora Infante Presidente do Governo, e se me fez estranhado o não ver clerigo algum, pouco depois porem recebi uma carta do arcipreste dizendo que uns por ignorarem o motivo não podendo ser avisados, e outros porque avisados nas pessoas de seus familiares ignorando para quê e outros porque estão impedidos doentes não tinham comparecido porém que, se julgasse necessário, que se apresentassem, lhe determinasse o sítio, dia e hora que de pronto o fariam e que sendo fiéis vassalos sempre e em tudo queriam mostrarem-se obedientes às ordens.
            Destinei-lhe o dia de amanhã para a Casa da Camara lha ler e procurarei examinar se foram ou não aqueles motivos porque nenhum apareceu e do que puder saber o levarei à presença de V. S.ª a quem Deus guarde muitos anos.

            Covilhã 8 de Agosto de 1826

Ill.mo Senhor
Manuel José de Arriaga Bruno da Silveira
                                                                        O Juiz de Fora
                                                         Manuel de Melo Freire de Bulhões

********
Ill.mo Senhor

            Ponho na presença de V. S.ª a copia do oficio que me dirigiu o Arcipreste desta Vila em que os motivos porque diz o clero não assistiu à Camara geral de 8 que destinei para solenemente ler a Proclamação da Sereníssima Senhora Infanta de 1 do corrente Agosto em razão do que, determinando as 11 horas do dia 9 para nas casas da Camara lhe ler a dita proclamação, à dita hora, ali achei todo o clero e mesmo alguns que me constava estarem doentes pelo que em satisfação que mostravão ao ler a proclamação a-pesar de não terem a esta assistido no dia antecedente, e sobretudo a humildade e receio que lhe devisei de terem de receber algum castigo e darem motivo a haver contas (sic) anonimas que em outros tempos daqui foram frequentes e pelas quais alguns vexados / e conhecer a maior parte dos motivos alegados, verídicos, me faz crer que não foi por maldade ou falta de bons sentimentos que deixaram de aparecer.
Deus guarde etc.

Covilhã 12 de Agosto de 1826

Ill.mo Senhor


Sem comentários:

Enviar um comentário