sábado, 1 de agosto de 2015

Covilhã - Memoralistas ou Monografistas XVIII


Continuamos hoje a publicar os monografistas da Covilhã, começando com algumas reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias já publicadas neste blogue.
        
“Convém enumerar os autores de monografias da Covilhã, os cabouqueiros da história local, aqueles de quem mais ou menos recebi o encargo de continuá-la, render-lhes homenagem pelo que registaram para o futuro, dos altos e baixos da Covilhã, das suas origens, das horas de glória e das lágrimas, dos feitos heróicos e de generosidade e até das misérias dos seus filhos, de tudo aquilo que constitui hoje o escrínio histórico deste organismo vivo que é a cidade, constituído actualmente por todos nós, como ontem foi pelos nossos avós e amanhã será pelos nossos filhos. […]

Esta memória histórica que continuamos a apresentar, já publicada no volume I da “História dos Lanifícios” (Documentos), de Luiz Fernando Carvalho Dias, e designada por Memória das Fábricas da Covilhã, é cópia do original existente no Museu Britânico, que o investigador obteve, obsequiosamente, através dos irmãos William e Anthony Hunter, penteadores de Bradford na década de 50 do século passado, que conheceu em Lisboa, no Congresso da Lã, realizado em 1953.
A Memória, de autor desconhecido, foi citada, sem crítica, por diversos escritores, entre os quais J. Lúcio de Azevedo, mas nunca fora publicada, apesar do seu indiscutível interesse para a história económica, certamente, por a cópia conhecida da Biblioteca Nacional de Lisboa se encontrar deteriorada em longas passagens.
Quando o autor entregou à Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, no ano de 1939, o trabalho de que fora encarregado de elaborar, designado por “Aspectos Sociais da Indústria dos Lanifícios e Subsídios para uma Monografia Histórica” (Relatório duma inquirição 1937-1938), incluiu alguns fragmentos desta Memória, segundo a versão existente na Bibioteca Nacional de Lisboa. Sobre ela refere: “que dá indicações muito interessantes não só sobre a fabricação dos panos, mas também sobre a psicologia dos industriais, mercadores e operários que a ela se dedicavam, no século XVIII. De certo modo, certos aspectos desta monografia são como que um inquérito industrial à indústria desse tempo e uma base de informação para a grande reforma pombalina.” 
   
O Arco do Quartel que une dois dos espaços da Universidade da Beira Interior na rua
 Marquês d' Ávila e Bolama (Antigo Quartel de Caçadores 2  e antes Real Fábrica de Panos)

MEMÓRIA  DAS FÁBRICAS DA COVILHÃ
[…]

Estas são as providências que me parecem pôr em lembrança; se bem que me parece que nada basta para se evitarem tantas desordens, roubos, falsidades, e enganos, que cotidianamente se estão vendo e experimentando; o que só o poderia ser com um novo estabelecimento, com crédito da Nação, e das mesmas fábricas, utilidade dos vassalos, e do Real Erário; mandando-se estabelecer na dita vila uma Companhia Geral, tanto para a compra de todas as lãs, como para o fabrico dos mesmos panos, e todas as mais fazendas da lã.
Bem vejo a dificuldade que há em se criarem Companhias neste reino, tanto pela pobreza de ânimo dos vassalos, quanto pela renitência dos mes­mos, por não quererem sujeitar o seu cabedal à administração alheia, sem atenderem, que só por meio das Companhias se adiantam os mesmos vassalos, e se conservam as manufacturas e lavor delas, em reputação.
Esta porém me parece terá menos dificuldade, se Sua Majestade for servido tomá-la debaixo da sua Real Protecção; concedendo-lhe outrossim as três condições seguintes, com as quais se animarão todos a entrar com acções, que bem bastem para o fundo da mesma Companhia.
A primeira que as acções dela serão privilegiadas com o privilégio de Morgado. Segunda: que Sua Majestade é servido mandar entrar todos os anos adiantado para a caixa da dita Companhia, com o importe dos far­damentos das suas tropas, tanto das do reino como das conquistas; com o que se animará muito o fundo da mesma, sem prejuízo da real fazenda, mais que o desembolso de ser adiantado, ou no fim da entrega do mes­mo fardamento, sendo com utilidade dos soldados, pela melhoria dos panos, que deve mandar fazer a mesma Companhia. Terceira: que Sua Majes­tade é servido mandar, que nenhum criado de servir, nem escravos, e oficiais de ofícios mecânicos, se vistam senão de panos dos fabricados no reino. E suposto pareça que não bastarão os fabricados para tanta gente veja-se a conta seguinte:

Teares que há na vila da Covilhã, e seus distritos; e na de Manteigas, distante 3 léguas da dita vila:

......................... Dentro da vila da Covilhã       72
......................... Sarzedo  ...........................        4
......................... Verdelhos ........................ .       1
......................... Manteigas .........................      28
......................... Aldeia do Mato..................        5
......................... Aldeia do Souto.................        2
......................... Belmonte............................      18
.... .................... Areias (sic = Orjais) ………       1
..........................Teixoso................................     46
                                                                          177
                                                                                  
Cada oficial de tecelagem, tecendo mal, tece duas teias cada semana; e tecendo bem, uma e meia, que vem a ser 6 em cada mês; porém atendendo aos dias santos que há, sem embargo de no bispado da Guarda estarem dispensados só com a obrigação de ouvirem missa, se faz a conta a cinco peças cada mês, a cada tear, que multiplicadas por 177 teares, ficam sendo 885 teias em cada um mês, e cada um ano 10.620, que a 40 côvados cada uma, são 424.800 côvados, que repartidos a 7 côvados cada vestido importam 60.685: além de outros teares que há dispersos por outros lugares, de que se não faz conta; nem também dos que só tecem panos de varas; e dos muitos que se podem aumentar, vendo que há saída ao mesmo lavor.
Que a Companhia terá só o privilégio de comprar as lãs adonde quer que as houver, pelos preços acima referidos, sem que nenhuma outra pessoa as possa comprar, por se evitarem os monopólios, que delas se fazem; e também o extrairem-se para fora do Reino.
Que a mesma Companhia largará das suas mãos as lãs aos traficantes dos mesmos panos pelo mesmo preço que lhe custarem, postas na casa da sua administração, só com o avanço de 5 por cento pelo desembolso.
Que todos os panos que se fabricarem serão levados à casa da mesma Companhia aonde se pagarão em dinheiro de contado aos mesmos traficantes pelo seu justo valor, e na forma que pela mesma Companhia lhe for deter­minado, descontando-lhe o importe, que corresponder à lã que tiverem levado fiada.
Que ninguém poderá comprar panos de qualquer qualidade que sejam, que não seja a mesma Companhia; e que esta os mandará tingir nas cores que lhe parecer; e que só ela os poderá vender, e repartir pelas terras deste Reino. E como há vários mercadores, que andam pelas feiras vendendo a retalho e atacado: estes poderão comprar os que quiserem à mesma Companhia ficando a esta vedada a Cidade de Lisboa, e a do Porto, adonde terão armazéns para poderem vender por junto, e não a retalho, pagando os direitos que deverem nas alfândegas das respectivas duas cidades
E porque não é justo se prejudique o Real Erario, se deve adiantar a sisa particular; e em lugar dos 600$000 rs. acima declarados, seja aquela porção que melhor parecer, em razão da maior porção dos panos, que se há-de gastar; além dos que entrarem nas referidas duas cidades que esses sempre devem pagar os direitos que deverem nas alfândegas delas; e os mais correrão livres pelas terras do Reino, como é costume debaixo do selo que deve ter a Companhia; e que todos os mais que se acharem sem o dito selo, serão tomados por perdidos a favor da mesma; e que esta não poderá vender a retalho coisa alguma, mas só em peça, e partidas.

Pauta dos preços, que devem ter os panos em branco, conforme a sua qualidade:
........................ Pano dozeno           de 1.200 fios      400 (rs.)
 .......................   "    quatorzeno     de 1.400 fios       480
 .......................   "    dezocheno      de 1.800    "        600
 .......................   "    vinteno           de 2.200    "        800
 .......................   "    vintequatreno de 2.400 fios    1.000

Pano jardo mesclado; conforme sua qualidade se ajustará.

                             Baetas
   Baeta quatorzena ........................ 300
       "    dozochena ......................... 400
       "    dita fina ............................. 550

                         Preço das tintas
Que actualmente se dão
................................. Azul ferrete em pano                  100
................................. Baeta da mesma cor                      80
................................  Azul, meia cor em pano                60
................................. Baeta da mesma                            40
................................. Pano cor de prata                          40
................................. Baeta da mesma                            30
................................. Pano encarnado com ruiva          100
................................. Baeta da mesma                             60
................................. Pano vermelho com pau Brasil      50
..................................Baeta do mesmo                             30
..................................Pano amarelo de lírio                     50
..................................Baeta do mesmo                             30
................................. Pano cor de ouro, com ruiva          80
................................. Baeta da mesma                             60
................................. Pano escuro, com ruiva                  80
................................. Baeta da mesma                             50
................................. Pano escuro, sem ruiva                  50
................................. Baeta da mesma                             30
................................. Pano verde subido                          80
................................. Baeta do mesmo                             60
................................. Pano verde claro                             70
................................. Baeta do mesmo                              50
................................. Pano preto, que leva azul              100
................................. Baeta do mesmo                              60
................................. Pano roxo, com ruiva                    150
................................. Sem ruiva                                       100
................................. Baeta da mesma, com ruiva           80
..................................Sem ruiva                                         60

Dizem os Procuradores do Povo desta vila que para certos requerimentos com Sua Majestade lhe é necessário que o escrivão da Câmara ou qualquer dos do geral em seu impedimento lhe passe por certidão o teor de uma provisão que se acha no livro do registo pela qual é proibido lavrar a chapa da serra desde o Penedo dos Livros até ao Picoto do Monteiro pelo prejuízo que se segue a todos os engenhos da ribeira, chãos e pomares, e porque esta se não pode passar sem despacho
Pª V. M.º Sr. Dr. Juiz de fora seja servido mandar passar a dita certidão de tudo o. que constar em modo que faça fé,
E. R. M.
P. do constar
    Tavora
Manuel Coelho de Almeida escrivão do público judicial que em esta notável Vila da Covilhã e todo seu termo sirvo por provisão de Sua Majestade que Deus guarde. Certifico e porto por fé em como vendo o livro das provisões tiradas da Torre do Tombo pelo Guarda-mór dela João Couceiro de Abreu e Castro a folhas dele noventa e quatro se acha a provisão cujo teor é o seguinte = Eu El Rei faço saber aos que este alvará virem que os procuradores da Vila de Covilhã por ela enviados às Côrtes que fiz na Vila de Tomar me enviaram pedir nos capitulas particulares que nas ditas cortes me presentaram houvesse por bem que se não lavrasse a chapa da serra que está entre as ribeiras que cercam a dita vila desde o Penedo dos Livros até o Picoto do Monteiro porque lavrando-se com a pedra e areia que corria da dita serra se fazia notável prejuizo a muitos engenhos de moinhos azenhas pisões lagares e a muitos chãos de regadio pomares hortas e a muitas árvores de fruto sendo a dita lavrança da serra de muito pouco proveito e pelas ditas razões de muito pouco prejuizo digo de muito prejuizo para o campo de Santarém e barra desta Cidade de Lisboa e visto por mim seu requerimento antes doutro despacho mandei do caso tomar informação pelo provedor da Comarca ao que satisfez e vista sua informação e parecer e as causas que os ditos procuradores alegaram hei por bem e me praz que as terras da serra dentro no dito limite do Penedo dos Livros até o Picoto do Monteiro de que fazem menção se não lavrem e não se podendo os donos das terras que hajam de ser lavradas aproveitar delas em outra coisa se taxará por homens sem suspeita a perda que nisso recebem e lhe satisfarão soldo livra o que lhe for taxado os donos das azenhas, engenhos, pisões e propriedades que disso recebem proveito e mando às justiças oficiais e pessoas a quem o conhecimento disto pertencer que cumpram e guardem e façam inteiramente cumprir e guardar este alvará como nele se contém sem dúvida nem embargo algum que a isso seja posto. Pedro da Costa a fez em Lisboa a três de Julho de mil e quinhentos e trinta e dois (l)./ / E não di­zia mais no registo do dito alvará que aqui foi trasladado a requerimento dos sobreditos que lhe mandei dar nesta com o selo de minha Chancelaria a que se dará tanta fé e crédito como ao dito livro donde foi tirada e esta com ele concertada; dada em Lisboa ocidental a doze de Julho, El-Rei nosso Senhor o mandou por João Couceiro de Abreu e Castro Guardamor da Torre do Tombo Faustino de Azevedo a fez ano de mil setecentos e dezanove e vai escrita em três meias folhas de papel com esta ……….de Manuel da Silva a fez escrever = João Couceiro d'Abreu e Castro Pagou do selo das armas = e não continha em si mais o dito alvará que eu sobre dito escrivão aqui passei por certidão por impedimento do da Câmara e esta conferi e concertei com o próprio a que me reporto em Covilhã aos dezanove de Novembro de mil e setecentos cinquenta e oito e eu Manuel Coelho de Almeida o subscrevi.
Manuel Coelho de Almeida Concertado com o próprio livro por mim      Manuel Coelho de Almeida

Notas:

(1)     Esta data deve estar errada, embora do registo da Câmara da Covilhã assim conste. Parece que deveria ser 1582. A Provisão seria de Felipe I. Nunca poderia ser de D. Manuel, mesmo com data de 1532, por nesse ano reinar D. João 3º.

Nota dos editores - A fotografia é da autoria de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias.

Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:

Publicações neste blogue sobre os monografistas covilhanenses:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2015/05/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2015/04/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2015/03/covilha-memoralistas-ou-monografistas-xv.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2015/01/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/12/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/11/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/10/covilha-memoralistas-ou-monografistas-xi.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/08/covilha-memoralistas-ou-monografistas-x.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/06/covilha-memoralistas-ou-monografistas-ix.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/05/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
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http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/12/covilha-memoralistas-ou-monografistas-v.html

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