sábado, 11 de julho de 2015

Covilhã - Inquéritos à Indústria dos Lanifícios XXXV-XXXIII

Inquérito Social XXXIII

      Continuamos a publicar um inquérito social “Aspectos Sociais da População Fabril da Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria” da autoria de Luiz Fernando Carvalho Diasrealizado em 1937-38.

   Hoje prosseguimos a apresentação de alguns "documentos históricos" incluídos na 2ª parte deste Inquérito. O primeiro é o Regimento de 1690.
O Regimento dos Pannos, que divulgamos, foi publicado pelo Doutor Valério Nunes de Morais, no anno de 1888 no jornal “Correio da Covilhan”; faz parte da sua “Memoria Historica Ácerca Da Industria De Lanificios Em Portugal” (1)
Recordemos a opinião que Luiz Fernando Carvalho Dias já veiculou neste mesmo Inquérito (2ª Parte):
“O Regimento de 1690, nos seus 107 capítulos, adaptou às novas necessidades da indústria o velho Regimento de D. Sebastião, que vigorava desde 1573. Para a elaboração do regimento ouviram-se todas “as pessoas inteligentes e de confiança” e “ os povos e as camaras das terras” onde se fabricavam os pannos, como era costume numa monarquia onde o Cesarismo era uma palavra desconhecida no vocabulário político, procurando ter sempre em vista e harmonia o interesse dos concelhos com o interesse superior da Corôa, representante máxima do interesse da república.
            A indústria representa para os concelhos uma enorme riqueza social pelos braços que emprega e material pela melhoria de vida a que leva às populações. Para o Reino, os lanifícios nacionais significavam uma barreira à evasão do ouro, dispensando a entrada de pannos estrangeiros. Embora a indústria nacional os não batesse em qualidade, eles não envergonhavam o país, de tal sorte que D. Luiz da Cunha foi a Londres vestido de bom panno da Covilhã. Com intuitos de protecção à Indústria, publicaram-se várias pragmáticas para obrigar os naturais a vestirem-se de panno fabricado no reino. O Regimento revelou o intuito de melhorar e regular o fabrico das fazendas. Não se esqueceu nele o mínimo promenor: durante a tosquia a lã devia ser separada de tal forma que, a que era considerada superior na ovelha, era aplicada aos melhores tecidos. Com o fim de obrigar o tecelão a cumprir o Regimento, na fabricação do tecido, levando-o a empregar nele toda a deligência e saber, criaram-se marcas individuais, para distinguir os pannos deste e daquele; cada qualidade de panno tinha a sua marca respectiva, para acautelar o público e diminuir os engannos entre os mercadores; cada terra chancelava também os seus pannos, para criar brios entre elas; regulou-se o emprego das tintas e os meios de as aplicar; as falsificações puniam-se com multas e quando contivessem matéria criminal, a pena era de degredo por dois annos para as partes dalém; regularam-se as funções de cada mester; o fabrico ficou sujeito à fiscalização do Védor dos pannos e à competência jurisdicional do Juiz de Fora.”

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[…]

REGIMENTO (de 1690)



Da Fábrica de Pannos em Portugal

Tozador

Capitulo LXXXIX

Que os officiaes das laãs sejão examinados.

            Os officiaes das laãs, que ora são, e ao diante forem, antes de começarem a servir seus officios, serão examinados pelo dito Védor, e dous homens dos mais antigos, e experimentados, de cada mister de que for o officio em que se fizer o tal exame, os quaes serão elegidos pelo Corregedor, estando na terra, e não o estando o fará o Juiz de Fora, tomando os votos dos ditos officiaes das laãs, de que se farão os assentos necessários; e o dito Védor levará de cada examinação dos officiaes que ora servem, da Carta que do dito exame passar, cuenquenta reis; e este Capitulo se guardará nos officiaes que de novo se vierem examinar, e nos que ora servem; e outro-sim, o Védor examinará na forma d´este Capitulo.

Capitulo XC

Que os ditos officiaes das laãs tenhão marcas, e signais, para porem nos seus pannos.

Todos os officiaes das laãs, Trapeiros, Tecelões, Pizoeiros e Tozadores, terão marcas, e signais, que ponhão nos pannos, que fabricarem em suas casas, para que em todo o tempo se possa saber pelos taes signais quem os fez, e os teceu, apizoou, cardou, e tozou; as quaes marcas se registrarão nos livros das Camaras, conforme ao Capitulo oitenta e cinco; e não o cumprindo assim, incorrerão em pena de dous mil rs, ametade para o Védor, e a outra ametade para quem o accusar.

Capitulo XCI

Que os Tintureiros tenhão redes apartadas.

Os Tintureiros terão redes apartadas, para que havendo laãs de partes, cada huma d’ellas haja a sua, sob pena de dous mil reis para o Védor dos pannos.

Capitulo XCII

Como os Trapeiros serão obrigados a sellar de novo os pannos, que tiverem feito, ao tempo da publicação d’este Regimento.

Todos os pannos que forem feitos ao tempo da publicação d’este Regimento, no logar aonde se publicar, se sellarão de novo com um sello, que terá hum P, e hum V, que significará panno velho, e os Trapeiros, e as pessoas que os tiverem, serão obrigados ao assim sellarem; porque não os sellando, e sendo depois achados sem sello, e sem letras se perderão, e será ametade para Captivos, e a outra ametade para quem accusar; o qual sello tambem se fará pela dita maneira, à custa das ditas rendas do Concelho; e o Védor levará por cada hum que pozer quatro reis. pondo-lhe o chumbo, e não o pondo, dois reis.

Capitulo XCIII

Da maneira em que os Trapeiros serão obrigados a sellar os pannos, que d’aqui em diante se fizerem.

Os Trapeiros serão obrigados a sellar todos os pannos que acabarem, logo tanto que forem acabados, pelo Védor, que os sellará, achando que estão feitos em sua perfeição, e conforme a este Regimento: os quaes Trapeiros, ou pessoas que os tiverem, e os não sellarem pela dita maneira, e os venderem sem os sellarem, os perderão no modo declarado no Capitulo acima e será ametade para a minha Fazenda, e a outra ametade para quem o accusar.

Capitulo XCIV

Que os Apizoadores em qualquer parte que tiverem os pizões, possão neles cardar os bureis e pannos meirinhos sómente.

Por quanto no Capitulo quarenta e quatro mando que os Apizoadores não possão cardar pannos alguns no pizão, e que tenhão as perchas nos Lugares de que tiverem os pannos que fazem, e sou informado que na Cidade de Lisboa, e suas comarcas, como em muitas partes, ha muitos pizões, que não fazem mais que pannos meirinhos, e bureis de Lavradores, que não hão mister cardar-se à percha, Hei por bem, por escuzar vexações, que o tal Capitulo se não estenda aos ditos pizões, e Apizoadores, que não fazem mais que os pannos meirinhos, e bureis; com tanto que não enfurtão com cenradas, nem com cebo, senão com sabão, nem cardem com cardas de ferro, nem as tenhão em suas casas, nem nos pizões, e ficando em tudo o mais obrigados a cumprir e guardar os Capitulos dos Apizoadores neste Regimento declarados, e de incorrerem nas pennas delle, não o cumprindo assim; e achando-se que os mais Apizoadores, e pizões fazem mais pannos que os meirinhos, e bureis, incorrerão em pena de perdimento da valia dos pannos, ametade para a minha fazenda, e a outra ametade para quem o accusar.

Capitulo XCV

Da maneira que se vizitarão os pannos, que fizer o Védor deles, que forem seus, e pena que terá o dito Védor, selando panno que não estiver acabado.

Acontecendo que o Védor faça pannos por si, em companhia de outros, os tais pannos serão vizitados pelo Juiz de Fora do Lugar aonde o houver; e não o havendo pelo Juiz ordinário da terra; com dois oficiais do officio da lã, mais antigos e que bem entenderão: e não os achando como devem o condenará nas penas conteúdas neste Regimento, assim como o Védor o pode fazer nos pannos de outras pessoas. E selando o dito Védor panno algum, que em parte ou em todo, não estando acabado conforme ao Seu Regimento, e Capitulo dele; que nisso fala, pagará a estimação, e valia do panno, metade para os cativos, e a outra metade para quem o accusar.

Capitulo XCVI

De como os Corregedores, e Juizes poderão vizitar as casas de todos os officiais de pannos.

Ordeno, e mando, para que este Regimento do fazer dos pannos se faça como deve, e na maneira, como neste Regimento vay provido, que cada seis mezes os Corregedores das Comarcas dos Lugares em que se fizerem pannos; e os Juizes qelles fação por si mesmos correição por casa dos Tecelões, Trapeiros, Cardadores, e Apizoadores, vendo-lhes seus mesteres, e se cumprem o Regimento; e achando nisso comprehendidos e que o não fazem conforme as obrigações que tem, fação logo cumprimento de Justiça, e dem nelles à execução as penas em que pelo dito Regimento incorrerem, sem mais processo e sendo por duas, ou tres vezes rebeldes, os suspenderão, privando-os do officio que tiverem até nova mercê minha.

Capitulo XCVII

Do Juiz Conservador.

Convem para melhor expediente da Fabrica dos pannos, que haja Juizes Conservadores, que entendão sobre a observancia deste Regimento, e que conheção do procedimento dos Védores; pelo que ordeno que na terra aonde houver Juiz de Fóra, havendo nele Fabrica de pannos, sirva o Juiz de Fóra de Conservador da mesma fabrica, em virtude d’este Regimento; e não havendo ahi Juiz de Fóra, servirá de Conservador o Juiz de Fóra, que mais vizinho ficar à dita Fabrica; o qual conhecerá por Appellação e Aggravo, das condemnações, que despachar o Védor dos pannos, em quanto abranger a sua alçada; e para os casos que nella não couberem, dará o dito Juiz de Fóra Conservador Appellação, e aggravo para os Juizes dos feitos da minha Fazenda.

Capitulo XCVIII

Ordeno aos Juizes de Fóra, a que tocarem ser Conservador da Fabrica dos pannos, que cada um anno pelo mez de Janeiro tirem devaça especial sobre o procedimento dos Védores dos pannos, e fabricantes, perguntando se derogárão, consentirão, dissimularão, ou perderão em parte, ou em todo ou faltarão à disposição deste Regimento; e achando que contra elles procede culpa pela dita devaça, os prenderão, e lhe darão livramento, dando Appellação e Agravo para o Juiz dos feitos da Fazenda; e ao Juiz que nos tirar esta devaça, sendo Conservador, se dará em culpa na residencia.

Capitulo XCIX

Como os Védores dos pannos são Juizes privativos deste Regimento.

Os Védores dos pannos que ora são, e ao diante forem, devem conhecer privativamente de tudo quanto he disposto, e ordenado neste Regimento com subordinação do Juiz Conservador, como fica dito.

E assim ordeno que lhe obedeção, os Officiais de justiça, como são Alcaides, Meirinhos, Juizes das Vintenas, Porteiros e Quadrilheiros, e que sendo chamados pelo Védor para o acompanharem nas deligencias a que for sobre as obrigações, que lhe tocão por este Regimento, ou lhes mandar, que fação tomadias, ou provizões, ou outra alguma coisa, que lhes pertença mandar, se não escusarão de lhe obedecer, e o acompanhar; e fazendo o contrário, os poderá suspender o dito Védor, prender, e condenar, segundo for o merecimento de sua culpa dando Appellação e Aggravo, como fica disposto no Capitulo Nonagessimo septimo.

(Continua)

Nota dos editores – 1)Doutor Valério Nunes de Morais era natural da freguesia da Conceição, Covilhã, tendo nascido em 1840. Casou com D. Rita Nazareth Mendes Alçada e Tavares Morais. Era jornalista e advogado. Foi procurador à Junta Geral do Distrito da Guarda, por volta de 1868; administrador do concelho da Covilhã anteriormente a 6 de Junho de 1871; de novo procurador, mas substituto, à Junta Geral do Distrito em 1887-89. Faleceu em 1901.



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