domingo, 27 de abril de 2014

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XXXV

    Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, estamos a publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
     Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo /proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.

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LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS






O S  L A N I F Í C I O S

NA  POLÍTICA  ECONÓMICA

DO   CONDE   DA   ERICEIRA



I








LISBOA   MCMLIV


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IV

Gonçalo da Cunha Vilas Boas, Conservador da Fábrica
e Cronista da Reforma
(Continuação)

              Quem seria ele? (Um novo concorrente ao lugar que Vilas Boas ambicionava)
Diz-nos ser natural da Covilhã, que aspirava ao lugar e que tra­vara lutas com ele, por desejar ser eleito para procurador às Cortes e que além disso capitaneara o bando dos mercadores descontentes contra o exclusivo das baetas. Esconde-lhe o nome, mas revela que fora provedor doutra Comarca e vivia na Covilhã.
Nesta época quatro magistrados, pelo menos, se podiam visar: o Dr. Manuel Monteiro de Sande, o licenciado Manuel Delgado Feio, Miguel de Siqueira Castelo Branco e o bacharel Estêvão Correía Xara.
O primeiro além do Juiz de Fora dos Órfãos da Covilhã (10), e corregedor da' Comarca de Castelo Branco (11), transitara já, em 1673, para corregedor da Comarca da cidade do Porto (12). Não era natural que preferisse a Provedoria da Guarda, embora em 1681 vi­vesse na Covilhã onde lhe nasceu o filho Silvestre, baptizado por seu cunhado Frei Diogo Teles (13). Este cunhado poderia ser o frade alvejado por Vilas Boas, se não fossem as circunstâncias que parecem inibi-lo.
O Licenciado Manuel Delgado Feio tinha um irmão sacerdo­te (14), o Padre António Delgado Feio, Prior de Terena (15) e depois do Tortozendo (16). Advogou na Covilhã e serviu de testemunha no auto de entrega do Castelo a Francisco Botelho da Guerra, quando o Alcaide Mor Afonso Furtado de Mendonça se dirigiu para a fron­teira, em 13 de Abril de 1642 (17); leu no Desembargo do Paço (18) e foi Juiz de Fora de Faro (19), donde transitou para a Provedoria das Obras, Órfãos, Capelas e Hospitais de Setúbal, em 1661 (20).
Miguel de Siqueira Castelo Branco (21) iniciara a sua vida de magistrado em 1679 (22).
Estevão Correia Xara, (23) Juiz de Fora do Porto, (24), Provedor das Obras de Viana do Castelo, (25), foi transferido, em 1674, para a Corregedoria de Lamego (26).
De todos os mencionados é este que oferece maiores probabilida­des de identificação como opositor de Vilas Boas, tanto mais que Manuel Delgado Feio, casado em Coimbra, (27) se desligara pratica­mente da Covilhã. A identificação, como problemática, não passa de simples presunção, susceptível de ser alterada por novas pesquisas.
O frade conseguiu fazer chegar às mãos do Príncipe um memo­rial contendo graves acusações pessoais e profissionais para Vilas Boas; nele se assinalava a ineficácia da residência, visto o sindicado estar proposto para Provedor da Guarda, circunstância de molde a criar receios e a intimidar possíveis ofendidos. 
O príncipe ouviu a queixa como lhe cabia e chamou o frade a palácio, abonando-se ele na opínião dum magistrado que Sua Alteza poderia ouvir.
Entretanto o Conde da Ericeira era posto ao corrente da intriga, ao mesmo tempo que a Relação do Porto, adiantando-se a qualquer procedimento da justiça régia, mandava abrir nova residência; ouvem-se nela cerca de 100 testemunhas, como já acontecera na primeira, mas outra vez a honra de Vilas Boas sai ilibada, porque o Desembargo do Paço, apesar do depoimento desfavorável de nove testemunhas, volta a reconhecer-lhe boa folha de serviços.
Quando corria na Covilhã a segunda residência, aparatosa resi­dência tirada por um desembargador, assistido de meirinho, escrivão e dez homens de guarda, Vilas Boas dirigiu-se ao Paço e pediu ao Príncipe para recolher ao Limoeiro, visto não fazer sentido tamanha devassa na Covilhã com o sindicado em Lisboa a gozar as delícias de Cápua!...
D. Pedro não lhe deferiu o pedido nem chamou a Relação do Porto a contas, mas o certo é que Vilas Boas, embora ilibado, não seguiu para Provedor da Comarca da Guarda. Mantém-no, con­tudo o Príncipe, em situação privilegiada, durante alguns anos, adstrito à Vedoria da Fazenda como Conservador das fábricas do Reino, arbitrando-lhe, por decreto de 2 de Junho de 1685, a mercê do ordenado anual de 200$000, que lhe seriam pagos nos Armazéns Reais e Casa dos Cinco de Lisboa (28).
Em 1687 manda-o despachar como Ouvidor do Juizo da Alfândega da Capital, «com a obrigação de assistir no que pertencer às fábricas, estando à ordem do Conde da Ericeira a cuja está ao que a elle toca o qual elle seruira assim e da maneira que o seruirão as mais pessoas que antes delle o ocuparão…  (29).
Reconduzido nesta função, em 1691 (30), por mais três anos deve ter colaborado intimamente no Regimento de 1690.
Em 22 de Setembro de 1691 consegue novas tenças pelos serviços de sete anos, cinco «como Juiz de Fora de Torres Vedras e da Covi­lhã»... «em que introduziu a fábrica de baetas e sarjas, com a ocupa­ção de Conservador das mesmas fábricas ... », acrescidas do título do hábito de Cristo que El-Rei lhe mandou lançar (31).
Mais tarde, em 1694, foi autorizado a usar beca de Desembarga­dor conquanto continuasse Conservador das fábricas do Reino, «para que com mais autoridade possa fazer as diligências (em) que (El-Rei) fôr servido mandá-lo às terras em que há fábricas...» (32).
No ano seguinte, os 200$000 do seu ordenado passam a ser líqui­dados somente pela Casa dos Cinco, e registados no Livro das Fábri­cas e Manufacturas e no Livro dos Registos dos Decretos do Conselho da Fazenda (33).
D. Pedro II continua a pagar-lhe os serviços com generosidade, promovendo-o em 15 de Fevereiro de 1701, a Desembargador Extra­vagante da Relação do Porto (34) e, em 3 de Julho de 1706, a Desem­bargador da Casa da Suplicação, na vaga do Desembargador Manuel Lopes de Barros (35).
A carta de padrão de 60$000 de tença, concedida a sua filha bas­tarda D. Ângela Teresa da Cunha, em 3 de Outubro de 1713, esclarece que desempenhou ainda as funções de Desembargador dos Agravos e Apelações Cíveis do Porto e Corregedor do Cível da Corte, Juíz do Tombo dos Bens de Confiscados e Ausentes, Procurador Fiscal da Fazenda dos Três Estados (36) e Administrador Vitalício das Capelas de Salvador Jorge, sua mulher e outros (37).
Por fim é aposentado com o ordenado e propinas de Deputado da Mesa da Consciência e Ordens, em 15 de Dezembro de 1715 (38).
O Rei legitimara-lhe os dois filhos, D. Angela Teresa da Cunha, em 17 de Dezembro de 1710 (39) e Luís da Cunha Vilas Boas, em 24 de Julho de 1719 (40).
A longa carreira de magistrado e depois as mercês régias que lhe sucederam, parecem confirmar a falta de consistência das acusações dos inimigos da Covilhã: mas, sem elas, não teria sobrevivido para a posteridade a Memória dos seus serviços, quadro imprescindível para quem quiser estudar a política económica da segunda metade do Século XVII.

Covilhã
                                Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias

NOTAS DO CAPÍTULO IV
(2ª Parte)

10 – ARQ. N. DA TORRE DO TOMBO – Chanc.ª de D. Afonso 6º – Liv. 24 fls. 209.  
11 – ID. – Liv. 22 fls. 184 v.  
12 – ID. –Liv. 42 fls. 11 v. 
13 – ARQ. N. DA T. DO TOMBO – Secção de Registos Paroquiais – Covilhã. Livº 2º de Baptismos da freguesia de St.ª Maria, fls. 141 v. Este filho do Dr. Manoel de Sande e de sua mulher D. Maria Teles nasceu a 31 de Dezembro de 1680 e foi baptizado a 16 de Janeiro de 1681.
14 – ARQ. N. DA TORRE DO TOMBO – Leitura de Bacharéis, Ms. 14, nº 33.
15 – ID. – Chanc.ª de D. João 4º, Liv. 16, fls 520 v.
16 – Além de prior do Tortozendo também foi cura de S. Maria da Covilhã.  
17 – LIVRO DE NOTAS DO TABELIÂO DA COVILHÂ, António de Lima  Aguilar. (1641-1652).  
18 – VID. nota nº 14.
19 – ARQ. N. DA TORRE DO TOMBO - Chanc.ª de D. Afonso 6º - Livº 27, fls. 274 vº.
20 – ID., ibid.
21 – ARQ. N. DA TORRE DO TOMBO – Leitura de Bacharéis – A certidão do tempo que advogou na Comarca é passada por despacho de Gonçalo da Cunha Vilas Boas, juiz de fora da Covilhã, em 1673 e a informação para o Desembargo do Paço é do Corregedor da Guarda Dr. Luiz de Valadares Soutomaior.
22 - ID., ibid.
23 – Estevam Correia Xara também tem processo de habilitação no Desembargo do Paço; as informações colheram-se em 1651 e 1652.
24 – ARQ. N. DA TORRE DO TOMBO - Chanc.ª de D. Afonso 6º - Livº 28, fls. 437.
25 - ID. Chanc.ª de D. Afonso 6º - Livº 42, fls. 87 vº. Há que rectificar o texto. A nomeação de Xara para Viana é posterior à sua nomeação para Lamego, visto aquele ser de 1674 e esta de 1668.
26 - ID. Chanc.ª de D. Afonso 6º - Livº 28, fls. 437.
27 – O Ld. Manoel Delgado Feio casou em Coimbra com Mónica da Fonseca. Vid. nota 14.
28 – ARQ. N. DA TORRE DO TOMBO - Chanc.ª de D. Pedro 2º - Livº 39, fls. 211 vº..
29 – ID. Chanc.ª de D. Pedro 2º. Liv. 64, fol. 226.
30 - ID. – Liv. 36, fls. 160 v.
31- ID. Id. Liv. 39, fls. 68 v.
32- ID. Id. Liv. 59, fls. 133 v.
33 - ID. Id. Liv. 39, fls. 211 v.
34 - ID. Id. Liv. 54, fls. 70 v.
35 - ID. Id. Liv. 46, fls. 324 v.
36 - ID. Chanc. de D. João V - Liv. 48, fls. 132 v.
37 - ID. Id. Liv. 28, fls. 21.
38- ID. Id. Liv. 46, fls. 127 v.
39 - ID. Id. Liv. 132, fls. 64.
40 - ID. Id. Liv. 135, fls. 374 v.
(Continua)

As Publicações do Blogue:

As publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_23.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_6.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia_16.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia_26.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia.html


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