quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XXV

Encontrámos no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias o documento que continuamos a apresentar. O investigador inicia a cópia com o nº do códice, mas não indica onde está depositado. Termina com s.a.n.d. = sem autor nem data, o que também tem contribuído para hesitarmos em publicá-lo. É uma carta ao Rei D. Pedro II, que é aclamado em 1683, sobre a difícil situação económica do país, no século XVII.
Nesta Carta, que datamos do ano de 1684 ou anos seguintes, é descrita a situação portuguesa, as consequências da mesma, o exagerado papel dos estrangeiros, o cenário económico noutros países. Procura-se valorizar a criação de “uma companhia e banco em forma mercantil”, o desenvolvimento da navegação mercante, a ocupação da população ("Desta maneira creava o Reino (sic) em numero de navios, faziam-se soldados e marinheiros, ocupavam-se vadios e atalhavam-se insultos, desinquietações de casadas, roubos de donzelas, muitas mortes que fazem os ociosos, roubos de fazendas...") e a expansão de várias zonas de Portugal, como Entre Douro e Minho ou o Brasil.


3ª Parte

[…] A terra toda não dá tudo em uma só parte nem o poderoso deixa de se ajudar da industria, quanto mais que em Portugal se acha tudo para a navegação sem necessidade alheia.
A Província de Entre Douro e Minho e outros tem hoje em si copia de linho canemo de que se fabrica a mais excelente ensarcia, armas em nenhuma parte são tão boas, como outrossim Mestres das Ribeiras de que podem aprender os mesmos estrangeiros. As madeiras do Brazil são as mais excelentes para a navegação, assim pela dureza dos toros como por ser a que mais se conserva na água, em todos aqueles portos se fazem e podem fabricar navios com muito maiores vantagens do que são aqueles do norte, tecidos com tornos, e armados à ligeireza dos ventos por razão dos seus mares.
Se V. M. mandar que em nenhuma Ribeira de seus Reinos se fabriquem navios de menos de trinta peças para cima com tantos homens e tudo o mais necessario para a sua defeza e que ao sair e entrar das barras sejam vistos pelos cabos das torres, não assim como agora o fazem que prestam um aos outros aquilo que lhe falta para fazerem o numero do seu regimento.


Modelo de nau do século XVII (Do Livro de Traça de Carpintaria, de Manuel Fernandes)

E desta maneira sendo os navios mercantes de igual porte e igualmente fornecidos poderão com melhor seguro navegar, e no caso que V. M. queira valer-se deles achar-se em seu Reino com 80. 90. e 100. navios capazes de fazer cara a qualquer grossa armada, como tambem segurar-se dos piratas que com o porto de Tanger não há-de deixar de sulcar os mais com maior ousadia e se os navios forão deste lote, não chegaram de presente a segurar-se em tres pataxos que vinham da Terceira e Cabo Verde, a 30 por 100 em um, e nos outros não quiseram tomar seguro nem com 80 por 100 de premio, por terem pataxos sem armas, força e sem gente que se a tiveram, ainda que as fragatas guardas da costa se recolhessem não estiveram os interessados com tanto receio, nem perderam o seu remedio.
É bem verdade que os navios de tanto porte fazem grande custo e os fretes do Brazil não ajudam a despª. de tanta fabrica a respeito dos estipendios e mariagens que são os que respeitam a quantidade dos homens que marcam e servem de guarnição e defeza da nau.
Se o haver navios grandes e igualmente fornecidos de gente, artilharia e armas serve de utilidade a este Reino parece de razão que V. M. deve de ajudar aos armadores para que possam fabricá-los e com maior animo e interessar-se neles.
Pagam hoje estes navios ao comboy 40 rs. por cada arroba de assucar, e 600 por cada caixa que vem o ser mais de 60 rs. por arroba e assinam os fretes por 15 V a tonelada de 54 arrobas que é o mais que de prezente trazem do Brazil, ficam livres para a nao somente 11V760 que na verdade não chegam para a despeza das soldadas e aprestos consernentes.
E assim por minorarem os gastos saem dos portos tão mal fornecidos que nem gente trazem bastante para marear e ainda que V. M. conceda a alguns licença com a obrigação do regimento consta que não levam metade das pessoas que lhes assina nem podem porque não vão a perder-se os armadores, e querem mais depressa com qualquer mimo contaminar a deligencia que se lhes manda fazer na vistoria que irem a perder-se nos fretes, e a mesma não exposta às tormentas e inimigos.
E por esta razão tem perdido esta praça bastantes embarcações em que os Turcos fizeram preza com tanto vituperio da nação portuguesa, pois já ousada e atrevidamente lhe não chamão valerosos a quem a desordem desculpa; porque, Senhor, que pode fazer uma nao sem artilharia, sem polvora, sem armas e sem gente?
Se V. M. mandara fossem os navios izentos de pagar esses 60 rs. que na verdade não é cousa de tão grande porte no excessivo rendimento do comboy que se não admita, porque em navio de 900 toneladas se respeita a um conto e tantos mil reis e em tal caso os poderia obrigar a que cada um trouxesse de 30 peças para cima de mais gente que lhe fosse necessaria para o marear, uma companhia de 70 ou 80 homens, e que aos capitães que o merecessem se lhe fizesse mercê de seus capitães por cartas patentes com que viessem a guarnecer os ditos navios de 120 homens para cima.
Desta maneira creava o Reino (sic) em numero de navios, faziam-se soldados e marinheiros, ocupavam-se vadios e atalhavam-se insultos, desinquietações de casadas, roubos de donzelas, muitas mortes que fazem os ociosos, roubos de fazendas, respeitava-se a nação para sua defeza, a cujo clima o aspecto dos astros não tirou a natureza de crear homens animosos e robustos: demais que todos os Reis do Mundo estudam como hão-de ser os seus moradores ocupados e como evitem vagabundos.
E sendo os navios deste lote podia V. M. determinar que não houvesse redenção de cativos e daqui nascia o pelejarem os marinheiros, soldados e passageiros té perderem a mesma vida por saberem que os não haviam de resgatar em caso que fossem cativos, e na mesma forma os Mouros sabendo que os navios portugueses traziam artilharia, armas e gente e que em caso que os prisionassem os não haviam de resgatar é certo que se não haviam de querer põr no risco de perder-se e com esta resolução se evitava o terem até os mouros tão grande parte neste Reino e de mais servia esta resolução para que os marinheiros soldados e passageiros pelejassem por se não entregarem porque ordinariamente quando vem mouros, antes que a eles cheguem se lhe entregam fiados que cativando os teem no Reino pais, irmãos, parentes e amigos que lhe solicitam o resgate de modo que ainda dele lhe sobeja, e deste modo defendiam as patacas de maior pelo que não fossem a Argel e Salé, suas pessoas, fazendas e direitos de V. M., a qual se não entenderia no pobre pescador que andando pescando o cativassem e ainda nem esse nem outro levantado ousadamente iria, sendo os navios de força, à costa do Brazil.
No mar se exercitavam à marinhagem e nos meses que estivessem no Brazil podiam ser constrangidos a fazerem exercicios e a aprender o manejo da milicia que tambem nos mesmos navios se ensina, porem com menos suficiencia a respeito da impossibilidade do terreno, e se V. M. ordenara que os soldados que assentassem praça nos navios mercantis merecessem como aqueles que servem na guerra, assim nos desta Corte como da cidade do Porto, se assentaria tanta gente ainda por seu gosto de Entre Douro e Minho que viessem por tempos a ser respeitados os portugueses.
Seguia-se daqui outra conveniencia aos vassalos de V. M. e é que havendo navios deste lote e maior numero deles fazia mais crescida a navegação de seus Reinos porque se os mesmos naturais para isto se valem de navios de fora, fretando-os assim para as Ilhas e outros portos ainda do Estado do Brazil, parece o deixariam de fazer por darem aos da terra este frete, e ainda este ano e todos, vendo os estrangeiros que os naturais careciam de seus navios para mandarem carregar de trigo às Ilhas, lhos não quiseram fretar e mandaram por sua conta à Terceira, S. Miguel e Fayal carregar de trigo e o compraram assinando letras para esta cidade, e vieram e venderam o trigo e pagaram as letras com ele sem desembolsar cousa alguma, tirando ainda este negocio aos portugueses. Veja V. M. se pode haver maior desgraça de seus vassalos e se tem razão de se queixar.
Na forma em que hoje se acha a navegação não é possivel se continue porque das embarcações que vão ao Estado do brazil que são mais de 120 com as do Porto se contam poucas; as que sejam de 30 peças para cima e as mais são pangaios, pataxos e  charruas; postas à carga estas embarcações, primeiro carregam as melhores e com vantagem de frete e as mais ou hão de comprar a carga no Brazil, tomando letras de risco sobre si ou hão ficar de invernada até que por falta daquelas ou abundancia de frutos se carreguem.
E desta maneira se perdem os donos destas embarcações porque tanto que trazem qualquer empenho de letras de risco que não esperam a cobrança de fretes, executam as partes os mestres e se vendem em praça, não havendo ano algum em que se não veja esta extorção.
Por esta causa não há marinheiros por não se lhe pagar pontualmente as soldadas nem nesta Praça há mais de seis ou sete pessoas de mais nome que o possam fazer que tem navios e os melhores que por não experimentarem ruina os trazem desempenhados e os mais não podem nem teem cabedal para isso.
Assim se vão extinguindo os navios e fraqueando a navegação sendo tambem a causa deste dano serem os estrangeiros senhores de todo o negocio de Portugal e eles os que dão a baixa aos frutos da terra que como se lhe consente tenham naus que vão ao Brazil tirar os fretes aos naturais, que como estão introduzidos não fica animo aos naturais de fazerem compras.
Tanto que para os diamantes que vieram a monção passada antes da charrua e o carcome se não acharam nesta Praça para compra deles mais que Jacome Bomplat e Ricardo Wanzeller holandeses que como cabeça de alguns estrangeiros pela experiencia que teem da pedraria os compraram pelo que quizeram com perda da metade do custo das carregações por eles serem só os que compram, a qual verdade V. M. ou seus ministros experimentam o mesmo nos seus, prometendo-lhe um dia um preço muito tenue, e daí a uns dias muito menos andando zombando, querendo os comprar fiados, e ao depois com rebate de dez por cento, porque outros estrangeiros que os costumavam comprar os mandam vir da India por sua conta a troco de suas carregações por não haver parte neste Reino reservada para os naturais e por este e todos os modos se tem arruinado tantas casas, e assim se atenuou o comercio e a navegação do Brazil e da India donde a transportação dos generos é certo param não tendo conta aquem os arrisca.
Quanto mais, Senhor, que de mais dos ditos estrangeiros que estão em todas as Praças do Brazil com cazas e fazendas e comissões foram nesta frota passada de 1684 tantos a pôr novamente cazas que só de franceses foram 23 e assim se estabelecem no Reino e pelo interior da terra a navegação dos frutos dela que totalmente arruinam estes estados por quanto que grangeam levam consigo (sic).
É muito para reparar que só nesta corte andam de franceses mais de quatro mil, porque com esta guerra proxima de Castela lhe expulsaram mais de dois mil e todos vieram para este Reino e para esta Corte, e todos nela teem cazas, estes e outros vestem e calçam, passeando e gastando dinheiro sem serem dobrões nem Luizes de França, nem tão pouco se sabe donde lhe venha, entre outros há alguns a que chamam metedores que em Castela costumam furtar fazendas aos direitos e pô-las (sic) donde lhe apontam, e aqui fazem o mesmo, e outros ou cerceam ou não sei de que vivem, com que por todas as vias não servem, nem teem outro estudo mais que de ver como hão de tirar o sustento aos portugueses e tanto assim que ainda nos navios assim de guerra como mercantis estão levando fugidos, ladrões, herejes, judeus, quebrados que nestes teem levado de tres anos a esta parte mais de quatro milhões, sendo todos como dizem tão grandes nossos amigos, e com esta amizade fingida nos fazem estas passagens.
Esmorecidos os nervos que são as partes da Monarquia e podiam melhorar-se com a navegação reformada e com a creação do banco pois se V. M. há uns a esta parte (sic) largar aos homens de negócio a navegação da India quem com maior animo a proverá que este mesmo banco aonde se junta o cabedal de todos que em breve tempo seria asás muito facultozo.
E com o custo que a V. M. fazem dois galeões o podia fazer este banco, fazendo cinco ou seis fragatas que fossem todos os anos à India porque ainda se lhe acharia conta, que posto que aqueles estados sejam para os portugueses ocaso, sempre foram para Portugal Oriente e não seria impossivel reduzi-la em pouco tempo ao seu primeiro estado.
E nunca em Portugal poderia faltar gente, antes pela muita que se acha em suas provincias, são muitos os que perecem por causa de não terem em que ocupar-se e ainda nesta cidade que ainda na tranquilidade da paz fazem mil insultos; e quanto melhor fora obrigá-los à navegação não tendo oficios ou outro algum emprego permitivel, do que deixar esquecida aquela que os antigos portugueses deram à memória de todo o mar oceano.
Os filhos que sucedem a Pais ricos tanto que entram em razão a perdem na esperança de que nos bens paternos tem adquirido direito, mostrando a experiencia que com uma livre educação que os pais, ou por defeito da idade ou do efeito não podem dobrar, ficam monstros aqueles que nos exercicios podiam dar nome à sua Patria, e não desprezo e ultrage à economia portuguesa.
Eis aqui, Senhor, se mostra a V. M. a forma com que pode entrar no Reino dinheiro e a maneira por onde o não podem tirar os estrangeiros que é para admirar que fora do de Castela, nem nas bolsas dos ricos se a acha para mostrar entre as medalhas uma moeda dos outros. Como pode crescer a navegação, criarem-se marinheiros e soldados de que não menos necessita este Reino.
Dirão a V. M. que não bastam os frutos do Reino para pagamento das fazendas extrangeiras. É sem fundamento essa razão, porque muitos se vendem logo a dinheiro de contado com que são para ajuda, e demais das nossas Ilhas e suas terras metem no terreiro só desta corte o menos 50 V moyos de trigo que vendem logo tanto que entra a dinheiro de contado no qual a 300 rs um por outro importa o moio 18 V que importam dois milhões e duzentos e cinquenta mil cruzados com que com este mesmo dinheiro e das mais cousas e dinheiro do banco que será muito pronto o que nele se meta com os frutos do Reino sobejará muito dinheiro do pagamento das fazendas estrangeiras e será tão grande negócio que em poucos anos se pagarão só com os avanços do banco, porque tendo todo o que ganham os estrangeiros, em menos de dez anos não haverá Rei mais poderoso, nem vassalos mais ricos, conseguindo-se o dito banco.
De mais que com ele se evita o furtarem-se as fazendas aos direitos e outras infinitas maravilhas e quando se tratar deste negocio se verão e para remediar a moeda não há outro remédio porque se levantarem a moeda levantam os estrangeiros as fazendas e para se abaixar bem sabemos não pode ser pela muita baixa em que está, e ainda assim se pode pôr em boa forma mas que tenha o peso metade menos do seu valor que assim está hoje, porque as moedas de 4400 rs. pesam 1800 rs. e 26 e as patacas 320 e 300 rs. as moedas de 500 rs pesarão metade e valem o mesmo que valiam antes de roubadas, com que como aos estrangeiros se lhe fizer o pagamento nos frutos ao mesmo respeito da moeda, como val e como corre não tem prejuizo algum; nem V. M. na reformação da moeda terá perda nem seus vassalos. De mais que com o Banco se faz a pragmatica da proibição das fazendas de prata e ouro quando V. M. ache que assim lhe convem ordenando se não comprem as fazendas que ordenar.
Tambem com o Banco se escusa contratar a Alfandega e Consulado que é uma parte da ruína deste Reino.
Navios de licença ao Brazil em nenhum caso V. M. tal conceda que é perdição comua porque quem lá tem fazendas as não pode vender nem reputar, e chegando navios de licença as queimam porque as que levam se não vendam mais baratas nem V. M. tem proveito ou vantagem alguma, porque se esses navios lhe trazem seus direitos nos assucares e tabacos, ficam lá de invernada outros navios, sem virem na frota por não terem carga, por esses lha tirarem, sendo pobres, por cuja causa se perdem muitas casas e esses direitos que trazem sempre V. M. os tem quer seja em julho parte deles, quer seja em Setembro na frota todos, porque todos se pagam o seu tempo e só o virem mais cedo é bom para a carga da Nau Loreto e para Luiz Correia da Paz e Domingos Dantas da Cunha de quem as naus são, e são de respeito, vão fazer duas e trez viagens ao Brazil emquanto os mais fazem uma e até para quem tem assucares e tabacos, tanto que vem os de licença, não vendem mais nada por cuja causa muitos homens teem quebrado nesta Praça.
   E posto que a V. M. se diga que nunca tão rico esteve o reino nem mais florente, não entra no discurso que aos supremos se fale com lisonja; mas se V. M. mandasse fazer inventario do que consta toda a faculdade do mais grosso homem de trato acharia o contrario do que parece a muitos. Parte de seus bens na india, parte no Brazil, esquecidos, e outra em escritos e creditos de falidos, e poderá ser que suas cazas padeçam como as dos mais parcos.
Pintura do Século XVII que representa a saída de Inglaterra de Navios
 da Companhia Inglesa das Índias (Museu Britânico)

E ainda me atrevo a dizer que o cabedal de muitos homens de negocio deste Reino não fazem o cabedal de um dos mais homens das Praças mais pequenas, e no Porto aonde é menos florente esse mesmo é a maior parte dos estrangeiros que ali vem buscar as suas conveniencias, as melhores quintas que guarnecem o Douro são suas e de Ingleses não assistentes, mas de uns que vão e de outros que ficam. Fundam os grandes a sua razão de que os vassalos de V. M. tem muito dinheiro, em que alguns homens o dão à razão de juros de 4 por 100 cada ano, no que se enganam, porque não sabem nada de negocio, porque se alguns o dão a 4 por 100 é por duas razões. A primeira pelo darem a pessoa segura, que lho possa pagar e se lhe não ausente como teem feito tantos. A segunda porque não há em que se empregue pela muita falta de negócio pelo terem todo os estrangeiros, e prova-se com que na Inglaterra corre o dinheiro a dez e a doze por cento porque são tantos os negócios que para tudo dá.
Em todos os Reinos excepto Portugal e Castela se tomam as patacas e dobrões pelo pezo que pesam e se assim se fizera em Portugal não estivera perdido por falta desta prevenção. Em Veneza e Genebra (sic) das Republicas as mais bem governadas todos os estrangeiros que nelas entram se registam à entrada, assentando-lhes seus nomes em Livro, perguntando-lhe e assentando o negocio a que vão para o que lhe assinam dias, dentro dos quais se se não vão, acabado o prazo os vão buscar à parte que lhe teem assinado  para pouzarem no seu registo, os prendem e os castigam.
Tambem em Veneza de treze anos a esta parte tem extinto onze conventos de frades e freiras, considerando que pelos muitos e grandes dotes e heranças de Pais e parentes dos religiosos, iam sendo senhores da maior parte das fazendas e morgados e que os seculares por tempos não teriam alguma fazenda que pudessem comprar, e nos mais conventos que ficaram, que são bem poucos, fizeram numero de religiosos e religiosas que havia de haver em cada um.
Tambem neste Reino não é pouco necessaria alguma advertencia neste particular porque em mui poucos anos se achará bem pouca fazenda que não seja ou foreira ou propria de conventos.
Dirão a V. M. que tem vassalos muito ricos pelas muitas obras que fazem. Porem, Senhor, o maquinar obras, brilhar edificios, estatuar jardins, murar quintas, não é grande sinal de aumento porque nisso não consistem os tesouros de um reino, mas um indicio de que nele se diminui o comercio, e de que nesse se perdem os naturais e assim os mais dos homens de trato se retiram ao seguro de uma quinta medindo pelos seus dias a sua faculdade.
Sendo que nunca em Portugal deram à memória nome as cazas de negocio como em outros Reinos que há muitas de seis e setecentos anos, e ainda que haja muitos filhos sempre um deles tem a direcção da caza e com esta obrigação os honram os Reis, e ao contrario sucede em Portugal, porque o que tem qualquer fortuna desvanecido estuda como há-de subir e nesta vangloria lusem por acidentes os Portugueses.
Quanto mais, Senhor, que reparar a casa da ruina do tempo, plantar a quinta para os frutos, comprar a droga para o adorno, que lusimento é este? Se talvez o pedreiro não cobra em dois anos a féria, a renda fica ao quinteiro, o mercador não cobra sem um litígio a dívida! e para mais claro se conhecer a pobreza do Reino digam uma assembleia de trapassas em a torrente de cauzas que correm por diferentes juizos com tão publico defeito da verdade. […]
(Continua)

domingo, 27 de outubro de 2013

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XXIV


Encontrámos no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias o documento que continuamos a apresentar. O investigador inicia a cópia com o nº do códice, mas não indica onde está depositado. Termina com s.a.n.d. = sem autor nem data, o que também tem contribuído para hesitarmos em publicá-lo. É uma carta ao Rei D. Pedro II, aclamado rei em 1683, sobre a difícil situação económica de Portugal no século XVII.
Nesta Carta, que datamos do ano de 1684 ou anos seguintes, é descrita a situação portuguesa, as consequências da mesma, o exagerado papel dos estrangeiros, o cenário económico noutros países. Procura-se valorizar a criação de um Banco Mercantil, “uma companhia e banco em forma mercantil”, o desenvolvimento da navegação mercante e de várias zonas de Portugal, como Entre Douro e Minho ou o Brasil.

2ª Parte

[...] Declaração do Banco Mercantil

 Todos os danos e suas consequencias se evitavam, com se criar nesta Corte uma companhia e banco em forma mercantil para compra dos generos de fora todos e quaesquer que os estrangeiros trouxerem ao comercio desta Praça, porque o seu motivo é de virem fazer venda deles, aí lhe dá V. M. quem lho compre e com maiores conveniencias dos seus comissos por se lhe fazer logo o pagamento e não esperarem as demoras das suas cobranças e riscos que correm nas ditas a quem vendem; que se o seu fim não é mais que de vender as suas drogas, o de V. M. deve ser tratar da venda dos seus frutos e de seus vassalos, e só este é o único remedio para se evitar a saca do dinheiro a qual se não evita com a proibição de tais drogas, pois de se proibirem se fica seguindo a falta da venda dos frutos que é certo os estrangeiros os não hão-de vir comprar com o dinheiro; com que a verdadeira pragmatica é fazer levar aos estrangeiros tanto em frutos da terra como trouxerem em drogas, e deste modo permanece o rendimento da Alfandega e a V. M. se lhe não diminuem os seus direitos, antes se lhe avantajam, nem os filhos da folha e outros padecerão.
Esta companhia pois se pode crear nesta forma, que trez ou seis homens de negocio, os de melhor nome em faculdade e procedimentos, tivessem a seu cargo, debaixo de suas chaves todo o dinheiro que nela entrasse e que para isso tivessem casas capazes, (e sobre os Armazens que se estão fazendo para o tabaco se fariam maravilhosas casas para este banco) para fazerem junta e assistirem de manhã e tarde, e as compras e vendas e seus adjuntos os que forem necessarios, e os mais peritos para este efeito e contadores os há hoje melhores que em parte alguma.
Que todas as pessoas que nela quizessem meter dinheiro lho aceitassem sentando-o em Livro grande, a que chamam mercantilmente de razão, para que do que lucrasse a dita Companhia, conforme sua quantidade se desse conta de tres a tres anos, não sendo ninguem oprimido, a que todas as vezes que quizesse tirar seu dinheiro o pudesse fazer, ou todo ou parte, sem para isso ser necessario requerimento algum.
E esta companhia se havia de entender para a compra de todos os generos estrangeiros tanto que as naus chegassem, e descarregados na Alfandega aonde se houvessem de tratar as compras de quaesquer generos que fossem que tivessem conveniencia e consumo na terra, e destes celebrados os preços com a intervenção e assistencia dos corretores do numero para que em todo o tempo e a todas as partes constarem os preços das compras e vendas de todos os generos, que para isso foram creados os corretores, e para a dita companhia lhe pagar os direitos lhe fizesse pagamento em frutos da terra que são assucares, tabacos, cravo, canela, diamantes, sal, azeites, vinhos, lans, marfim, pau brazil, laranja, roupas da India e o mais que houver na terra e os generos que à dita Companhia não servissem por falsificados, podres, ou manchados ou outras razões se pudessem outra vez navegar pelos mesmos estrangeiros e nas mesmas embarcações sem que para isso fossem constrangidos a pagar direito algum.
E por este modo nem os estrangeiros metiam no Reino drogas que não servem nem ao custo nem à conveniencia e fazendo-lhes pagamento pelo dito banco não podiam levar dinheiro e dava-se consumo e saída a estes frutos para que os estados do Brazil pudessem aumentar-se, nem podia haver falidos assim da nação como estrangeiros e se lhe tirava o assinar na alfandega e segurava V. M. seus direitos de muitos que com eles fogem, e a fazenda de seus vassalos, e os maiores que remetem as fazendas aos comissarios que estão neste Reino estrangeiros nele assistentes ficavam mais bem servidos em se lhes fazer o pagamento logo por ficarem livres do risco e de moras que correm em quanto se lhes não cobra e de outras trapassas que lhe fazem os comissários, e este Reino ficava mais bem servido, porque como as fazendas sendo falsificadas, podres ou manchadas as não haviam de comprar, os estrangeiros de necessidade as haviam de fazer boas e outras muitas conveniencias para este Reino.
Porque esta companhia fazia venda aos naturais dos generos que fossem necessarios para venderem nas lojas e pelo meudo e de uns tomava o pagamento nos mesmos frutos que lhe eram necessarios para a satisfação dos estrangeiros e de outros por seus escritos e dinheiro, estando no seu arbitrio a eleição das ditas, com que pela dita companhia e banco lucravam todos, assim os que metiam nele seus cabedais como os que até ali tinham certa a saída a seus efeitos, não se reprimindo o comercio mas só abrindo-lhe caminho a que os naturais tivessem conveniencias e V. M. tivesse vassalos ricos e facultosos.
Podia esta companhia de mais das compras e vendas fazer rebates de escritos, seguros em embarcações, dar as mesadas aos embaixadores, mantimentos às armadas, em todas as partes tomar assentos o que comumente fazem esses estrangeiros e nestes negocios ganhavam os vassalos o que até agora esses lucram, com que muitos deles se tem posto em pé e consequentemente em tudo V. M. lucrava.
Bem é verdade que neste principio se não poderia dar principio a esta companhia e banco mercantil sem que V. M. o animasse com alguma soma assegurando aos homens de negocio que em nenhum tempo seriam nele seus cabedais reprimidos por não caber em consideração que sendo estrangeiro comum ao beneficio de todos, e o remedio do Reino o haja V. M. em algum tempo de restreitar ou diminuir ao particular de sua real fazenda.
E com este seguro todos meterão nesta companhia cada um o que lhe fosse necessario e mais conveniente pois é hoje entre os portugueses o negocio tão escasso que nem acham quem a juro lhe tome esses poucos tostões que andam no maneio dos homens e escaparão das garras dos estrangeiros e é certo que ali como banco o tinham mais seguro, e o Reino as conveniencias que os estrangeiros tiram, que até o dinheiro que se cunha assim em ouro como em prata, por ter o pezo da lei levam pelas drogas que metem no Reino depois de terem cerceado as patacas como tambem pela alta e preço dos dobrões a cujo respeito sem melhor (?) conveniencia levar (?) desta praça e Reino todo o dinheiro que tirá-lo em frutos ou em cambio.
E somente pela maneira deste banco se atalhavam ainda que tarde, assim o que pudessem tirar em dinheiro a seus lucros, e menos impedir se a conveniencia dos naturais, todos neles meteriam cada um o que pudesse para lucrar o seu avanço, o fidalgo cujas rendas excedem o seu gasto, ainda os haviam de minorar só por fazer nele seu tesouro; o avarento que o supulta onde o havia de levar? O dinheiro dos orfãos, aonde podia estar mais seguro? O médico, o Dezembargador, o Letrado, o eclesiastico, as religiões mais sobradas, a Mizericordia, a viuva, o lavrador, que são hoje os que teem cabedais, é certo que ali o haviam de meter pois lucravam sem risco de que o perdessem e a todo o tempo o tinham pronto com o seu avanço, e como neste banco V. M. entrasse com maior soma, pois é certo que quem mais dinheiro metesse mais havia de lucrar, e ser este banco em milhor forma que ainda o de Inglaterra, Holanda, Veneza, e outras partes, em poucos anos ganharia V. M. milhões, e seus vassalos serão (sic) ricos e poderosos.


Guilherme de Orange, da República da Holanda.
             No futuro Guilherme III de Inglaterra.

E sobretudo Senhor só com o banco se podia remediar o não se acabar de perder este Reino antes em poucos anos fazer-se poderoso, porque os estrangeiros depois de cercearem a moeda teem levado perto de dois milhões que se tem feito na Casa da moeda em melhor forma que a antiga de quatro anos a esta parte, porque como o seu fim não é mais que o de atenuar, deram em levar os cruzados porque são tais que tres  pesam 15 outavas e valem 1.200 rs. que é o valor de duas patacas, com que ficam 7 outavas e meia a cada um, e tanto assim que agora de proximo se fizeram tres mil cruzados em dinheiro meudo de tostão para baixo e desapareceu em poucos dias; considerando que o levariam os estrangeiros, pezei seis tostões e achei sete outavas e meia que é o pezo maior das patacas, como tambem as moedas de ouro novas de 4 V como os dobrões se levantarão em Castela a 10 V duas moedas e meia pesão um dobrão, e são já tão poucos assim cruzados como moedas, que dizem dão os estrangeiros um vintem de ganho em cada cruzado e ainda lhe teem muita conta pois davam dois em cada pataca quando as havia; confirma-se tudo com a falta que há do dito dinheiro que é raro o pagamento em que aparece dinheiro novo algum.


Luís XIV, de França
Catarina de Bragança, mulher de Carlos II de Inglaterra

Carlos II de Inglaterra

 Quanto mais que para obrigar a V. M. a esta resolução é de reparar que de proximo El Rei de Inglaterra e El Rei de França mandaram levantar os direitos aos assucares e tabacos de Portugal para que não tenham lá consumo e só se gastem os seus das Barbadas e Virinas, e quando não houvera outras razões bastavam só estas duas para V. M. reparar os seus estados com este banco e companhia mercantil que se considera por este meio vir a ser o mais poderoso Monarca, sem que para isso sejam necessarios muitos anos, porque os tabacos e assucares deste Reino sempre os hão mister e os mais generos.
As emprezas quanto mais arduas, mais dificultam os progressos; pequena Republica é o homem advertido do melhor jus da razão e quanto lhe custa deixar a continuação que o disforma; corpo também é o comercio de um Reino de cujos divididos poros armoniosamente reciprocos se conserva, monstruo (sic) se se vence da usura, cadaver se se deixa à dezordem.
Tambem as Monarquias são corpos animados, que como aqueles animados reprimem em si trez faculdades, nos frutos o nutrimento, quanto mais abundantes, mais robustos, nas armas, o sensitivo naqueles anos de ferro lusente se o ocio lhe não enfeita ferrugem e o comercio é a inteligencia de um Reino. (sic)
Este pois como negocio tão arduo tem alguns intervalos e dependem de ponderadas resoluções, porque para se poder conseguir é necessario advertir que pelos estrangeiros não acharem já dinheiro de toda a conta de prata e ouro, vão aos leilões que nesta cidade se fazem a comprar a prata lavrada, cordões de ouro, colares, afogadores, aneis e joias, porque o ouro o compram à razão de onze tostões a outava, e a prata a 4.800 rs. o marco, e não consta que aqui tornem a vender as mesmas peças, antes picando-se com os naturais, como os estrangeiros teem mais dinheiro as compram pelo maior valor, como há muitas pessoas que os veem e com o que se segue se confirma.
Em menos de 35 anos até o presente tem tirado deste Reino conforme opinião de todos só pela nação ingleza muito perto ou mais de trinta milhões, e para que venha à consideração de V. M. isto que no dizer parece fabuloso; por estas casas que aqui se lhe nomeam que são aquelas que ocorreram à memoria ou as de mais nome verá V. M. o grosso cabedal que cada um tirou deste Reino.
Christovão Várem, e Roberto Parquer tiraram desta praça conforme a opinião de todos mais de quinhentos mil cruzados. Thomas Clarque e seus companheiros mais de 500 V tt.dos. Thomas Careu outro tanto; christovao Trinchante 400 // (1) Duarte e Diogo Ruge 500 // Duarte Adão e Abraham Jacob 500 // Thomas Claque e João Eston 400 //. Joseph Dornes 200 // Inofre Berge 250 // Bernardo Marvim 150 // Pº. Modaque faleceu nesta corte onde viveu só cinco anos testou 120 // Ricardo Março 200 // Francisco Alental 150 // João Buchel 200 // Richarte Luis 300 // Pedro Militão 130 // João Polisfem 300 //. seu irmão Nicolau Polisfem 200 // Guilherme Pexe 250 //. Rogeiro Bradil 200 //. João bisconde 150 // Ricardo Stalim 200 //. seu irmão 100 //.
Samuel Butel, e Guilherme Claque no pateo de S. Nicolau mais de um milhão e deixaram na sua casa a Pº. Butel e Pº. Neves a quuem deixaram 100 V tt.os em dinheiro só para rebates de escritos e é casa que hoje se faz de mais de um milhão e são quatro ou cinco companheiros. Henrique Oneude 100 V tt.os Tomaz Março 300 // o qual esteve dez anos no Rio de Janeiro e veio havera doze para esta Praça por ausencia de seu irmão donde hoje está e ainda não está satisfeito. João Hiques o Velho 200 // Jorge Maynarte 150 // Tomas Berde 200 //.
João Pagiter 150 // ao qual lhe acharam o interior de uma caixa de assucar de patacas já embarcada por ponto de um seu criado de quem até as soldadas levava. Guilherme Berde 200 //. Guilherme Coston seu irmão 150 //. João Bilbanque e outros que sucederam a Guilherme Berde mais de 300 // João banques 100 //. Duarte Custam 200 //. Jacob ou Izac Eiró mais de 500 V tt.os Abrahão Sarau mais de 200 //. Joseph Ardovicos mais de 150 //. Pero Militam mais antigo 200 //. Ricardo Buller 200 //. Roberto Geslingão 100 //. João Vingote mais de 100 //. João Carle mais de 200 //. isto tendo um negocio que não avulta que consiste só em vender manteigas e carn.ras anda em uma liteira, com que só estes S.rs são de nação inglesa que com assistencia de alguns anos nesta Corte, do grangeo de suas comissões e negocios da terra, competentes realmente aos naturais dela levaram cada um o que bastou para o fazer poderoso e rico em sua patria e todos deixaram outros antes que se fossem nas suas casas como tambem já estes sucederam a outros, que todos estes que daqui foram andam em carroças e são os mais poderosos que há em Inglaterra e não é novidade porque o dinheiro é o mais forte e a maior parte deles são cabeças do Parlamento não se falando em outros muitos de menos nome que se foram e outros que aqui estão.
Tudo importa o que destes nomeados somente consta, pouco mais ou menos onze milhões e seiscentos e cinquenta mil cruzados não falando em quebrados que daqui fugiram e se ausentaram com as fazendas dos naturais, João Adão, Tomás Cudmor e seus companheiros João Clarque, e Leonardo Nuam, Ricardo Gay que indo quebrado e fugido, levando muitos direitos de V. M. é hoje no Parlamento e outros muitos, como tambem um que se foi agora de Aveiro deixando outro em seu lugar, que dizem levava milhão e meyo e era senhor de todos os azeites daqueles contornos, mas isto não é para admirar pois nunca se lhe deu o remédio, ? e o que é mais para admirar e sentir que não haverá pessoa alguma assim natural como estrangeira que diga que entre todos os estrangeiros que neste Reino assistiram e assistem houvesse algum que nele entrasse com dinheiro, nem um só vintem, ou da sua moeda que o valesse nem tão pouco haverá quem diga que quando o de mais nome de hoje entrou neste Reino tivesse nome porque todos eram cousa tão pouca que nem nas suas terras dos seus mesmos eram conhecidos, nem que de seu cabedal trouxesse algum deles drogas que valessem 200 V rs.
E para que V. M. veja o quanto deve tratar somente de seus vassalos pois só com eles se acha nas ocasiões para tudo e não tratar da conveniencia dos estrangeiros seja servido ver a carta e Lei do S.ºr Rei D. Manuel de 23 de Setembro de 1499, em que mandou se não desse privilégio algum a estrangeiro nem se admitisse neste Reino oficial estrangeiro nem se lhe mandasse fazer obra alguma nem se desse a estrangeiro em tempo algum oficio nem beneficio, capitania nem comenda, nem entrassem na casa da moeda, nem andassem nos navios portugueses por marinheiros ou outra alguma ocupação e que o Senhor Infante D. Miguel, seu filho, que o Reino havia de herdar e quem o herdasse e em qualquer tempo nele sucedesse, se fizesse o contrario incorreria nas maldições declaradas na mesma Lei.
E parece, Senhor, que antevia que de um Henrique Vanzer francês contratar a casa da moeda havia de nascer o cercear ele a moeda ou abrir caminho a outros o fazerem, comprando lhe os cerceios de prata e ouro, por ter poder e autoridade para os fundir na mesma caza de dia e de noite, dia santo e semana e a toda a hora sem que viesse ninguém por não ser obrigado mais que a mostrar a prata e ouro em barras já fundidas ao ensaiador, que esta foi a causa de mais de dois milhões que se tem em cerceios tirado da moeda. Queria mais Senhor que os estrangeiros não andassem nos navios do Reino porque não soubessem nem vissem as nossas conquistas e que não se admitissem em Portugal estrangeiros porque não tirassem o negocio aos naturais nem soubessem o que eles ganhavam ou a forma do seu negocio e sendo necessario se mostrará a dita Lei que por não fazer maior este papel se não treslada aqui. Porque é certo
Que neste Reino metem os estrangeiros Ingleses (entrelinhado) todos os anos em fazendas mais de dois milhões, e não consta tirem de frutos da terra em todo o discurso do ano 200 V tt.os nem se achará tal pelos consulados da saída, e sim se achará a entrada de mais de dois milhões pelas entradas das Alfandegas e ainda se não fala na grande quantidade dos ingleses que estão no Porto com as melhores quintas e cazas à borda da água, donde se não vão uns sem primeiro deixar já detraz outros, e o mesmo em Coimbra, Aveiro e outras partes mas perto do mar sempre.
Metendo nesta corte todos os anos só em bacalhau mais de 60 V quintais o qual vendem a dinheiro de contado todo, para o que tem a maior parte das lojas da Ribeira por sua conta em que tem os seus criados que importam mais de quinhentos mil cruzados, e este dinheiro não haverá quem diga que se empregou em cousa alguma. Porem foi Deus servido mostrar a V. M. poucos tempos há a forma em que o levavam em dois pataxos sem força ou defensa alguma em que se lhe achou por ponto que um da mesma nação deu, que o que mais nos admira é meterem-no em semelhantes embarcações, porem como só este é o seu fim antes o querem pôr no risco de se perder que deixá-lo estar muito tempo em poder dos portugueses, e por este exemplo se mostra a grande quantidade que terão levado nas naus de guerra que se não visitam e se veem por nas melhores partes do Rio, sem virem a esta corte e mais partes a outro negocio.
Quanto mais a grande parte de franceses, um Jaquez Godefroi que se averigua ter mais de um milhão com tres navios os melhores na Carreira do Brazil. Joachim Bausai com dois e muito rico. Pº. de Olioli que não há mais que oito anos que está nesta Corte e quando veio lhe compraram todo o seu cabedal que trouxe por quinhentos mil reis e hoje tem parte em trez navios de respeito que andam na carreira do Brazil e quatro para a França e Itália e é tão poderoso que compra partidas de assucares e tabacos de quarenta mil cruzados e cinquenta, e outros muitos Genovezes, Italianos, Pedro Francisco Viganego com uma nau na carreira do Brazil, Holandeses, Amburgueses, Suecos, Dinamarqueses, Alemães, Flamengos que todos pouco mais ou menos seguem o mesmo dictame.
Por todos estes Reinos, estados e Senhorios de V. M. se acham hoje tantos e tão bastos estrangeiros com drogas e sem elas que é se não para sentir sentir para admirar que os naturais se não vão servir a Flandres, outros aos Sepulcros da India e outros que morrem na própria miséria, podendo estes ter emprego, andar exercitados e dar nome à nação, como em tempo que este Reino não estava tão invadido da malicia estrangeira.
Metem drogas pelo Reino com que dão atenção à vaidade, lugar ao vício e principio à ruína e com estes motivos empobrecem as casas, impossibilitam as familias e dele tiram o dinheiro porque por pouco que leve cada um, como são tantos, estes poucos somam, pelo tempo, milhões. Confirma-se o sobredito e mostra-se a V. M. toda esta verdade e pobreza do Reino tão clara como a Luz do dia com o que se segue.
No ano da felice aclamação mandou o Serenissimo Senhor Rei D. João o 4º Pai de V. M. dar balanço ao dinheiro que se achava nesta Praça em mão somente de Portugueses, homens de negocio, e se acharam dezanove milhões e seiscentos mil cruzados, e eu creio que os seiscentos mil cruzados se não acharão hoje em dinheiro que ande no comercio em toda a Praça, e aperta-se mais este ponto com que o dinheiro que anda na mão da maior parte dos portugueses foi de M.el Roiz da Costa, e a causa de Sertão pouco é porque os estrangeiros lho tem tirado e vão tirando ainda por esta via.
Que gosando das honras e liberdades dos naturais só para eles reservadas assinam na Alfandega que é a maior honra e proveito que tem o mercador e vendo os naturais que V. M. por seus Ministros os houveram por abonados para assinar os seus direitos reais, os tiveram eles na mesma conta e daqui nasceu o quebrarem muitos e furtar o que lhe venderam.
Ricardo Gay ingles fora de seu cabedal levou mais de 100 V tt.dos aos portugueses e pouco menos a V. M. de direitos. Jacome Mª. Bollero italiano quebrou com mais de 250 V tt.dos fora grande parte de dinheiros de V. M. João Hiemº. Ghersi e seus companheiros da mesma nação quebraram com 200 V tt.dos por cuja causa morreram alguns portugueses de paixão de lhe levar o seu remédio e outros ficaram arruinados. Jacome Frz Silva judeu de sinal, baptizado nesta corte, levou a esta praça mais de 120 V tt.dos. João de Broque francês levou perto de 80 //. Dom Fran.co Peres castelhano levou aos portugueses mais de 200 V tt.dos por cuja causa morreu Francisco Roiz Quinteiro esbofado de ir atraz dele ou do seu remédio Fernão de Castilho e Francisco Gomes da Costa e Antonio Roiz Pereira castelhanos e outros infinitos que por não fazer maior dano a sua lembrança se deixam ao esquecimento.
Oh! Senhor, quantos homens naturais podia fazer ricos tão grossa faculdade? E que poderosa parece a Monarquia que pode ter-se de pé com estes danos.
Só nesta cidade se contam alguns homens de trato, nome e cabedal são somente os estrangeiros que nela assistem que estão como contendo a seara, e no tempo da aflição são eles só os que fecham os seleiros pela izenção de qualquer tributo ou imposto a que dizem são estrangeiros e pouco antes, e depois disseram e dizem são naturais para lançar nos contratos pela capitulação da paz e para os mais negocios e querendo lhe deitar um cavalo ou que paguem decima, meneo ou outra qualquer leve cousa, dizem que são estrangeiros e apresentam um milhão de papeis com que já hoje se não entende com eles, sem que houvesse até agora quem se doesse da Patria contra este seu dizer.
Nenhum Reino do Mundo pudera ser mais opulento que os Reais estados de V. M. considerando-se porem que a sua fomentação como causa eficiente do comercio. Nenhum outro pudera ter mais navios nem os em mares maior respeito. [...]
(Continua)

Nota dos editores - 
1) O sinal // significa V tt.dos. 
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quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XXIII


    Encontrámos no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias o documento que hoje começamos a apresentar. O investigador inicia a cópia com o nº do códice, mas não indica onde está depositado. Termina com s.a.n.d. = sem autor nem data, o que também tem contribuído para hesitarmos em publicá-lo. É uma carta ao Rei D. Pedro II, aclamado rei em 1683, sobre a difícil situação económica de Portugal no século XVII. Vejamos alguns indicadores que nos permitem datar este documento:
1 - No 2º parágrafo, e noutros, se escreve - “o que convem a este Reino é ver como nele há-de entrar dinheiro e o não possam tirar os estrangeiros”. Faz-se a defesa do mercantilismo /proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, durante a regência e reinado de D. Pedro. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira, vedor da Fazenda, vai publicar legislação proteccionista para tentar resolver a crise comercial existente.
2 - […] ” De mais Senhor que hoje em Portugal se fabricam baetas e panos (1), duquezas e estamenhas muito boas e com comodo por terem no Reino as lãs” […]
3 - […] “ Indo a França um Domingos Gomes português no ano de 1674 […]
4 - […] No ano da felice aclamação mandou o Sereníssimo Senhor Rei D. João o 4º Pai de V. M. dar balanço ao dinheiro”. […]
5 - […] “Quanto mais, Senhor, que de mais dos ditos estrangeiros que estão em todas as Praças do Brazil com cazas e fazendas e comissões foram nesta frota passada de 1684. […]
- […] “Isto Senhor, se perde porque no tempo em que se descobriram ou por ambição ou por causas a que o gentio desse motivo como ainda há poucos anos se viu na ocasião de Ruy Vaz de Sequeira (2) o foram reprimindo e metendo pelo interior da terra”. […]
- […] ”E ainda alivia esta Corte porque no ano de 680, por causa das muitas fomes”. […]
    Nesta Carta, que datamos do ano de 1684 ou de anos seguintes, é descrita a situação económica portuguesa, as consequências da mesma, o cenário económico noutros países, etc. Procura-se valorizar a criação de um Banco Mercantil, ("uma companhia e banco em forma mercantil"), o desenvolvimento da navegação mercante e de várias zonas de Portugal, como Entre Douro e Minho ou o Brasil.

D. Pedro, Regente (1667-68 a 1683) e Rei (1683 a 1706)

                                                           Senhor

          O zelo de vassalo e filial amor devido ao Augusto e sempre benigno ânimo de V. M. me anima ainda que tímido a formar nestes discursos alguma direcção ao bem público, por serem de suma ponderação, em seu real amparo, e por ser o Comércio a alma das Repúblicas, o coração das Monarquias, a cauza eficiente dos Reinos, e por onde se colhe a opulência dos Principados, a este não menos, antes com maior razão se devem estudar as máximas para o seu aumento porque já com estas levantarão alguns estados os hombros de uma mal sofrida fortuna.
         O que convem a este Reino é ver como nele há-de entrar dinheiro e o não possam tirar os estrangeiros; que ainda que as leis lho proibam, as transgridem sem que possa nisso haver remedio e não somente levarão o que nele entra mas também o que nele se cunha e algum deixarão porém sem valor.
          O Comércio pode ser mais lusido cujas conveniências assentam melhor em os naturais que sempre como vassalos tem exposta a faculdade à obediência, a navegação mais florente, em que não menos consistem as forças de uma Monarquia.
       O fazer ricos, antes que ser rico  não é defeito da liberalidade, mas é máxima de Príncipes em cujas aflições como coração das Monarquias, a ele como animado corpo  corre o sangue e não pode ser poderoso Monarca se os vassalos são pobres,
      Nem é acção distributiva deixar aos estrangeiros aquelas conveniências que podem lucrar os naturais, não sendo aqueles mais que uns inimigos caseiros que na indústria do seu comércio estudam a fazer-se poderosos, com que se na Real atenção de V. Mag.e tiverem soberano auspício os danos que se reparam nestas considerações, não se deixarão de arguir outras à felicidade de seu Império.
         São as Alfandegas dos portos secos na extremidade do Reino a ponte por onde entra em Portugal a prata lavrada, dobrões e patacas de Castela e pudera entrar muita mais abrindo-se algum refugio à conveniência.
         Foi V. M. servido arrendá-los por contrato sendo que das rendas do seu rial patrimonio, não podem ser sem detrimento do comum, todas arrendadas, ainda que assim tenham melhor arrecadação porque o rendeiro mede pelo seu tempo as suas conveniências.
       E de se extinguir o tal contrato dos portos secos que das pessoas em que andam arrendados, se descobre ao publico o prejuizo que se segue ao Reino por não ser mais que um seguro de se decipar nas raias o valor intrínseco da moeda, por terem tambem anexo o contrato dela, e dando ao real cunho o cerceio, o deixarão ao comum, com a metade menos do seu valor corrente.
         Se a V. M. foram publicas as maximas com que os tais administram o dito contrato, entende se de seu real zelo, sejam punidos sem que à justiça ficasse o defeito da dissimulação.
         São estas Alfandegas as portas do Reino aonde primeiro chega a moeda de Castela que por ficar exposta à malicia a compram por muito mais do que vale, ou ali mesmo dão aos Castelhanos os generos que por ela lhes compram e bastava para receio o serem estes homens suspeitos, que neste Reino não tem mais estabilidade que emquanto detem a âncora dos seus interesses tirando dele a faculdade que vão pondo em outros aonde se não examinam tanto as suas consciências e nem os seus arbitrios deixam de indusir dano ao comum.
Deixando-se o dito contrato que não serve mais que de ruína e ficando as alfandegas com a arrecadação por via de V. M., que a não terão seus ministros menos exacta, pois tanto importa à satisfação de seus cargos, e mandando V. M. tirar os direitos aos seus frutos da terra que são comumente assucares e tabacos, que por ali forem para Castela, para que tendo conta aos Castelhanos por causa dos muitos portes, entre mais dinheiro para o Reino e tenham mais consumo estes frutos, porque Senhor estes não tem conta aos Castelhanos por causa dos muitos portes da condução como tambem pelos muitos direitos que pagam e vexames que se lhes fazem nas Alfandegas e é impedir o ingresso a um tão nobre comércio.
E às fazendas que entram de Castela mande V. M. levantar os direitos, porque a maior parte delas não são de momento ou consumo ao Reino sendo lans em grande copia que aqui se compram para Holanda e Inglaterra para as suas fabricas de panos, baetas e outras fazendas porque como veem de Andaluzia, muito perto deste porto, sempre por aqui se hão-de navegar por lhe ficar muito longe o porto de Cadis, e o que mais entra são tafetás, estamenhas grossas, e vendo a maior parte dos castelhanos que costumam comprar as lãs para trazerem a esta Corte àqueles que de força as hão-de mandar por serem da sua lavra, que pagam aqui muitos direitos, hão-de trazer dinheiro em tanta copia que venderão o que tiverem, para levar assucares e tabacos, não lhe levando direitos deles ou ao menos sendo muito moderados.
Assim de necessidade virão com dinheiro a comprar os frutos de que necessitam e é abrir o caminho, a que entre mais copia e sem risco de que nas raias o cerceiem.
Em a alfândega de Badajoz logo depois das pazes mandou El Rei de Castela se registasse um decreto per que ordenava aos Provedores e recebedores de suas alfandegas que não levassem as fazendas de Portugal que por elas entrassem em Castela mais direitos que aqueles que no Reino pagavam de saída; porem pelo pouco cuidado que houve em conservar o dito decreto se foi deixando ao arbitrio daqueles contratadores que lhe fazem pagar uma pataca por cada arroba de assucar e a este respeito mais.
Isto se contraria com entender se que não sendo a moeda cerceada, aos estrangeiros tem melhor conta o navegá-la do que os frutos da terra, e que quanta mais houver maior quantidade tirarão dele; esta é a razão vulgar mas não sem defeito das leis que são aquelas que asseguram os Estados e as Monarquias que se executam.
Estudam os estrangeiros nas suas respublicas pequenas o como hão-de estabelecer se e para isto acharam maximas. Veneza no exacto governo, Itália na perigrinação de seus cidadãos, Génova por todos os angulos do mundo, Holanda na industriosa navegação e França proibindo em seu Reino os generos estrangeiros, mandando-os fabricar para si e para os alheios.
 Os Imperios e as Monarquias se se deixam ao curso da fortuna, sem atender à sua conservação, diminuem-se na grandeza, aquilo que o ócio lhe dissipa à eleição e curso do tempo, pouco duraram muito poucos Impérios, e muito pequenas Provincias se conservam de mui longos anos.
Para que os estrangeiros não levem dinheiro do Reino há muitos remédios, mostrando a experiencia que os das Leis não bastam. O mais urgente é o de registar-lhe as fazendas que eles metem neste Reino e o modo em que tiram o valor delas, o que sem alteração se podia conseguir. Todas as fazendas que entram de fora do Reino se despacham na alfandega aonde primeiro que tudo dão os navios entrada na forma de seu regimento, e para se despachar tira-se bilhete, avalia-se a cousa ou genero, e depois de feita a avaliação se carregam os direitos em Livro de receita ao Tezoureiro e estes bilhetes se registam às portas pelos feitores em Livros que para isso teem para a todo o tempo se conferirem.
Pois sem inovação estes mesmos em Livro separado, ou o mesmo de seu regimento podiam fazer em outra forma, abrindo-se a cada um seu título em folhas separadas e saindo-se por adições com o valor da cousa que despacham, conhece-se então por entrada o que entra nas Alfandegas pelo discurso de cada ano, sem inovação ou queixa dos mesmos estrangeiros.
E ainda que estas fazendas, depois de despachadas tem maior valor ou menos, conforme a alta ou baixa que tem todos os géneros, contudo deste mesmo titulo de entrada se conhece a quantidade das peças e generos de cada couza que basta para se calcular o excesso da avaliação ao preço da venda.
E sendo assim registadas de entrada essas fazendas que os estrangeiros metem no Reino convem saber se os frutos que tiram ou em que levam o valor desses efeitos; o que tambem com suave modo se pode conseguir.
Todas as fazendas que vão para fora do Reino se despacham pelo consulado da casa da India, para cujo expediente há nele dois escrivães. pois estes mesmos em um caderno, podem pôr titulos e assentar cada um o valor ou generos do que despacha que tambem ali se avaliam e já por este modo fica a maneira como pode haver registo e por ele saber se quando não fora mais que por grandeza o que gasta este Reino e o valor dos frutos que dá ao comércio de outros muitos, e porque nem todos os efeitos de fora podem sair em generos da terra, que de muitos se tira o valor por cambio, o corrector deles, por disposição do Senado ou do Tribunal por donde é provido, faça também em seu livro, titulo do que cada um saca por cambios.
E no fim de cada ano, pelo Ministro que a V. M. parecer, ou pelos mesmos que forem seus conservadores tomar-lhe conta a cada um, em que, ou como tirou o valor da fazenda que parece de seu titulo e entrada e para maior clareza e menos queixa que neste particular não pode havê-la, antes estes mesmos estrangeiros assim o devem estimar, porque do dinheiro que remetem não tiram de comissão a seus comissos mais que meio por cento e sendo as remessas em frutos sobre outras muitas conveniencias que nisso tem lhe carregam a dois por cento de comissão; e o remédio é que
Mande V. M, publicar aos naturais que nenhuma pessoa possa comprar ou vender fazenda a estrangeiros sem assistencia ou intervenção dos correctores do numero na forma das posturas da cidade e provisões reais, com perdimento da fazenda na forma das mesmas provisões, com que os mesmos corretores que para isso foram creados, darão por clareza pelos seus livros, o que cada um comprou e vendeu para melhor se ajustarem os registos, quanto mais que neste modo se não pode furtar aos direitos fazenda alguma, descobrindo se lhe assim o remedio e ao publico reparo de não poderem levar dinheiro.
Tambem de outra maneira não menos urgente se evitava não se tirar dinheiro do Reino, querendo-o V. M. pôr em praxe; e não é de menos ponderação ao bem publico. 
Se os estrangeiros não tiveram faculdade livre de assinar na alfandega necessariamente haviam de vender os seus generos dentro dela como o faziam antigamente e então se achava esta Praça menos carregada e mais florente, e só depois que tiveram esta entrada se tem experimentado em fallim.tos dos naturais e ausencias dos estrangeiros usurpado o cabedal dos vassalos de V. M. e de sua real fazenda, porque na confiança de que os tais assim não lhe fião os naturais suas fazendas, e se lhes ausentam com elas, como se tem visto no grande numero de estrangeiros que nestes nossos tempos tem fugido com o cabedal alheio e direitos de V. M.
Remediava-se a isto se V. M. mandasse chamar aos consules e com o titulo de favorecer as nações, aliviar aos vassalos, e dizendo-lhes tem entendido como esta praça lhe é devedora de um grosso cabedal, o qual cobram muito mal e tardamente (sic), e não quer ver tão empenhados os seus vassalos, ao qual dano há por bem que seus generos se lhes comprem na Alfandega à convença das partes com assistencia dos corretores para que em nenhum modo possam ser cavilados, e que desta maneira nem eles padecerão as demoras de uma tão larga cobrança para as remessas de seus efeitos nem experimentará V. M. falimentos e empenhos em seus vassalos.
E assim sendo corretor medianeiro, se o pagamento fosse de contado, do corretor dos cambios podia constar se o remetiam por ele. e se em frutos da terra, os mesmos naturais lhos vendiam com a intervenção dos mesmos corretores do numero; e ficavam só para os vassalos de V. M. as conveniencias que os estrangeiros lhe tiram, estancando estes mesmos frutos da terra em suas proprias mãos, como o fazem dos azeites, vinhos, assucares, tabacos, cravo e outros que ou os vendem ou os navegam e finalmente lançando em contratos e outras negociações, tendo naus que mandam ao Brazil a tirar os ganhos com as fazendas, e os fretes com os navios, aos naturais, mandando à India carregações e ao Maranhão, e pôr casas de negócio em todas as conquistas deste Reino sendo em Castela reservadas as Indias só para El Rei e seus vassalos e nos mais reinos pena de morte.
E assim se remediavam os danos que padecem as conquistas e Estados do Brazil, porque se os naturais comprassem e despachassem na Alfandega não ficava aos estrangeiros ocasião de mandar ao Brazil aquilo que os naturais não podem vender, metendo neste Reino maior copia de fazenda do que aquelas que podem nele gastar afim de o terem sempre sujeito com o empenho.
E naqueles estados entrando e encontrando-se a que eles mandam com a que carregam os naturais as suas fazendas são as primeiras que se vendem, como a quem lhe tem maior conta o vender por menos 40 por 100, e tiram logo os seus efeitos com que de força os naturais ou se hão-de acomodar a perder a maior parte do cabedal de suas carregações.
Parecerá a V. M. que aqueles estados em comprarem aos Estrangeiros por menos o que hão-de comprar aos naturais por mais, teem melhor conveniencia, porque se se acha por cinco tostões um covado de baeta, é mais injusto dar por ele seis. Porem senhor o estrangeiro vende neste Reino um covado de baeta ao Português por cinco tostões e o carrega para o Brazil, e o estrangeiro leva ou manda as mesmas baetas ao Brazil; o português não pode vender por cinco tostões aquilo que lhe custou os mesmos cinco tostões, de que pagou direitos e fretes e correu risco, ou pagou seguro, com que os estrangeiros vendem pelos mesmos cinco tostões a troco de assucares e tabacos, os melhores e mais baratos como a dinheiro, e os Portugueses como não podem vender por cinco tostões, vendem por seis, fiado por dois anos, e desta longa espera nasce o quebrar lhe o comprador ou pagar-lhe com o refugo que lhe deixou o estrangeiro, os quais em irem e mandarem ao Brazil são a causa destes danos.
E quando não houvera outra razão de que este lucro ficasse aos naturais que tambem para o navegar lhe correm o risco e lhe custam aos estrangeiros mais caros bastava, porque neste trato negociavam os naturais somente, e no Reino ficavam sempre os seus aumentos. Quanto mais Senhor que os estrangeiros só estudam o como hão-de meter os seus generos, afim de que no aumento se façam poderosos, e ainda que levem ao Brazil essa conveniencia não é em beneficio daqueles estados, mas somente porque ainda nessa venda que fazem lucram muito porque em suas fabricas o primeiro custo lhe não faz despeza mais que de oito vintens um covado de baeta, e a este respeito os mais generos.
Covilhã - Ribeira da Carpinteira, onde foi construída uma fábrica (1677) com o exclusivo
 do fabrico de baetas e sarjas.
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias

Porem ainda neles é maxima o fazer dano aos naturais afim de serem eles somente os que se estabelecem em todo o negócio destes e daqueles estados, e tirar essa conveniencia aos naturais para que nunca este Reino possa levantar cabeça e menos fazer-se poderoso. De mais Senhor que hoje em Portugal se fabricam baetas e panos (1), duquezas e estamenhas muito boas e com comodo por terem no Reino as lãs que os estrangeiros por aqui navegam para as suas fabricas, e quanto melhor é abrir caminho à indústria dos vassalos de V. M. que entregar tudo aos estrangeiros.
Se os ingleses e holandeses e outras nações metessem tantas fazendas para levar tanto em frutos podiam em algum modo tolerar-se as insolencias . Porem Senhor se estes o que metem em drogas o levam em dinheiro que razão há que o tolere? Se este remedio se lhe buscara no tempo que eles fabricavam na costa da América os assucares e tabacos com que hoje se servem para o consumo da terra, nunca tiveram tamanha baixa os destes estados de V. M. havendo de força levá-los pelos seus generos; e parece ultraje abrir tanto as portas aos estrangeiros que saibam o interior das casas, porque assim meditam as forças, medem as terras, registam os fortes, e talvez pela noticia suceda a desgraça.
Tambem havendo nesta corte banco por forma mercantil se dava remédio a todos os danos que recebe a nação portuguesa em o comércio, que ainda que o tal se não haja praticado em Reinos absolutos, não foi porque neles não seja conveniente mas porque os homens de trato e outras pessoas de cabedal não querem que os soberanos conheçam a sua faculdade, e estando em banco a de muitos ou por violencia ou por acidente lha podem tirar ou reprimir, e a causa porque muitas cidades ou Republicas o conservam é porque neles estejam mais seguros seus cabedais e para que em nenhum modo se possa deles tirar dinheiro porque este é somente o que as faz opulentas, e as mais consequencia que dele se seguem são comuns.
Nestas a boa forma do comercio lhe dá maiores lusimentos e este é o mais evidente motivo da sua conservação como se vê em muitos estados, províncias e Praças da Europa e maiormente em os de Holanda, Itália, Veneza, França e Inglaterra.
Aqui não menos antes com maiores razões porque nesta cidade vivem os negócios de toda a Europa, Azia e America, assim nos tratos dos reais estados de V. M. como de muitos reinos e cidades do mundo, como forja mais fervente do comércio, a ela concorrem todas as nações com mui delgados estudos a buscar as suas conveniencias e consequentemente as tiram aos vassalos de V. M..
Sendo esta Praça a mais idonea e a mais fervente do comercio das que em si tem toda a Europa por viverem nela todos os negocios nos generos da India, America, Mar Germanico, Baltico e do Levante, e outras muitas Provincias porem com diferença que este Reino como passagem da prata e ouro de Castela, nele artificiosamente buscam o seu lapis filosophorum e das drogas dos seus ingredientes tiram o ouro com que fazem as suas Provincias ricas e poderosas.
Por esta causa em numero, sem numero de falidos da propria nação portuguesa se descobre a atenuação desta Praça, envolvendo em si como Metropoli o cabedal de muitos homens do Reino e das mesmas nações que abominando a omissão da justiça na execução das leis tão soberanamente advertidas pagam a seus comissos a perda que lhe toca com o ultraje da censura.
O dinheiro é aquele bem e mal que faz aos Reis belicosos, aos estados soberbos e fortes e inexpugnaveis as Respublicas, este como mais necessario sabem tirar a toda a Hespanha industriosamente, previstas todas as nações pelos dois portos mais ferventes da navegação Lisboa e Cadis, com que pela aliança da amizade damos aos inimigos as armas, o que suavemente se lhes impedia originando-se o dito banco mercantil nesta corte para os generos de fora, cambios, seguros e outras negociações de que se forma o seu comercio porque na intenção dele em nenhum modo podiam perturbar os estrangeiros pelas capitulações e outros pretextos, que não ficassem nas propostas convencidos.
Porque se os ingleses e nações priviligiadas metem neste Reino fazendas por terem nele certo o seu consumo, como são panos, baetas, serafina, sarjas, e outros  generos de Lã, Linho, seda, prata e ouro, e com este pretexto se estabelecem para se fazerem venda deles pelo mundo aos naturais com longos termos de espera, fazendo trocas, cessões e outros tratos de que se enche a terra, e o Reino se embaraça vendendo-lhe as fazendas com 30 por 100 mais do que valem a respeito de 3 anos ou quatro em que as cobram não tendo outro fim os estrangeiros mais que o dessa venda.
Ficavam essas nações mesmas favorecidas em que somente pelo dito banco lhe fossem comprados os seus generos e deles lhe fizessem pagamento logo quer fosse em frutos da terra ou em cambio porque nem padeciam a espera do tempo nem corria por eles o risco das pessoas a quem vendem, e os vassalos de V. M. lucrando trinta e quarenta por cento que os estrangeiros lhe levam de mais a respeito da espera que lhe fazem.
E ainda mais que as fazendas dos que trouxessem de necessidade, haviam de ser menos falsificadas que as que metem de presente e menos drogas a fim de seus lucros, e senão empenhavam nestas os homens mercadores de lojas mais que de fazendas que lhe fossem necessarias por não faltarem ao tempo com o seu pagamento, sendo hoje a causa, a não venderem os tais, o estarem as nações vendendo nas suas cazas aos côvados o que lhes foi sempre proibido. como se vê da copia de uma carta do S.or Rei Dom João de boa memoria que dis assim.

Carta de El Rei D. João (I) que nenhum estrangeiro venda a retalho as fazendas

Nos El-Rei: Fazemos saber aos vereadores desta nossa cidade de Lisboa e a outros oficiais da Camara, que nos temos dados alguns privilegios de visinhança e de outras qualidades a alguns estrangeiros estantes em esta nossa Corte e que nela não estão e porque nossa tenção quando lhe os ditos privilegios outorgamos não foi que por bem deles podessem vender a retalho como nossos naturais, nenhumas mercadorias: e temos informação que em alguma maneira se faz; Declaramos por este presente que por bem dos ditos privilegios os ditos estrangeiros não podem retalhar nem vender a retalho em maneira alguma, porem vo-lo notificamos assim; e mandamos que assim o mandeis logo apregoar e notificar, porque seja a todos notorio e nenhum possa alegar ignorancia, e este se assentará no Livº. das Ordenações e posturas da Camara feito em Lisboa aos 24 dias de Junho Antonio Carneiro o fez ano de 1459. (1421)
E outras muitas cartas e provisões do dito Senhor Rei D. Manuel nas quais ordenou e mandou que em nenhuma maneira estrangeiro algum gosasse dos privilegios honras e liberdades e franquezas de que gozavam os naturais; e outras de outros Senhores Reis dadas à Camara para as mandar apregoar e registar para que em nenhum tempo pudessem os estrangeiros alegar ignorancia, e ainda o Senhor Rei D. João o 4º que santa gloria haja confirmou todos à Camara por privilegio que todos lhe deram para o governo dela, as quais por não fazerem maior papel se não repetem. e tanto assim que como pelas Leis dos Reinos os estrangeiros eram obrigados a registar suas fazendas na Alfandega e vendê-las dentro de seis meses e levarem o procedido delas em frutos da terra e estando nesta um ingles por nome Robert Col por estar carregado de fazendas fez uma petição ao Senhor Rei D. João o 4º relatando que tinha muitas fazendas que havia trazido e lhe remeteram e porque se iam acabando os seis meses que havia de estar nesta praça em que as não pudera vender e se as lavava outra vez ficava perdido, lhe pedia de piedade Licença para ir ao Brazil, à cidade da Baía, por tempo de dois anos, o que fez o dito Senhor precedendo primeiro informação, concedendo-lhe provisão da dita licença, por dois anos, e depois de partir a segunda frota, fez o dito Senhor aviso ao Governador que dera licença ao dito inglês para vender suas fazendas naquela cidade, que tivesse entendido que se se acabassem os dois anos e não viesse para o Reino lhe tomasse por perdidas as que tivesse; E parece, Senhor, que queria atalhar por todas as vias os danos que hoje este Reino padece.
E sendo estrangeiros hoje os Senhores deste reino parece que de boa razão deviam os portugueses de ter alguma passagem em os seus. Porem, Senhor, isso não costumam eles fazer por quanto as querem só para si e tanto que
Indo a França um Domingos Gomes português no ano de 1674 a curar-se de um achaque de alporcas, por não estar El-Rei em Paris, esperou alguns dias, e como é homem pobre e levava poucas patacas, se lhe acabaram; e como é oficial de sirgueiro de agulha (tão insigne que todas as borlas e franjas que são necessarias para os paramentos de V. M. só ele as faz e podia ensinar o mau perito francês desta arte), se foi ter com um Mestre e lhe representou que era português e que por causa de seus achaques fora a França para que El-Rei o benzesse, e como não estava na terra gastara o dinheiro que levara, que por ser pobre lhe pedia de piedade o deixasse trabalhar nas suas obras de sirgueiro, sem que por isso lhe desse mais que o sustento em quanto El Rei não vinha, e vendo o francês o grande oficial que era o português, vendo-o obrar, querendo lucrar com o seu trabalho, lhe disse que sim, e foi falar com os juizes do oficio sobre este particular e não somente lhe não deram licença para trabalhar só para o sustento, mas lhe deram uma carta de guia ao revés, com que o não deixaram parar em terras de França, nem bastou dizer que ia a curar-se, e finalmente se doente foi, da mesma sorte veio, sem que com ele tivessem piedade ou respeito; a que os franceses são Senhores em Portugal.
E tanto assim que no ano em que os Ingleses e Franceses tiveram guerra contra Holanda, como não navegavam os seus navios mercantes, fretaram os holandeses nesta cidade um navio português para lhe levar alguns assucares procedidos de suas fazendas a Holanda, e os Ingleses fretaram o navio de Antonio Fernandes Pedrozo para fazer o mesmo a Inglaterra o que fizeram e o que foi a Holanda entregar a carga pediu outra e lha não quizeram dar, dizendo era para os naturais e que se naquele tempo tinham guerras brevemente teriam pazes, com que veio carregado de area (areia)por lastro.
Antonio Frz Pedrozo em Inglaterra para fazer carga ao seu navio levou daqui muitas cartas, e não lhe aproveitando se valendo do patrocinio da Serenissima Rainha da Gran-Bretanha com que, intercedendo e pedindo a dita Senhora lhe carregassem o navio, o deixaram carregar de carvão de pedre, que aqui vale o mesmo que a area da Trafaria, e outros muitos exemplos que já os portugueses não estranham, porem sentem, não somente serem os Senhores dos negocios deste Reino, mas ainda sobre qualquer falsa informação que dão dos portuguesas aos consules ou embaixadores, os mandam prender a suas casas, depois de lhe tirar o sangue com a venda de suas drogas, aos mercadores, aos que as vendem, sendo Sapateiros, Alfaiates, Carpinteiros, Sirgueiros, barbeiros e finalmente todos os oficios, sendo cazados, tendo mulher e filhos, e os portugueses em França não haverá quem diga que os deixaram comprar ou vender nem trabalhar por seu oficio, e em Inglaterra se observa o mesmo inviolavelmente e querendo algum depois de lá estar muitos anos, mandar algumas fazendas para este Reino paga mais 16 por 100 de direitos que os naturais, e nesta forma suavemente lhe proibem o poder negociar sendo lá naturalisado, porque como poderão mandar fazendas para se venderem pagando de direitos 16 por 100, onde os Ingleses as teem, se lhe não tem conta?
O estilo com que ao prezente compram a estes tais os mercadores de lojas é por seus escritos para pagarem o que compram, passados 3, 4, 6, 8 e 10 meses, em 6, 8, 10, 12, 16, 18, 20 e 24 pagamentos de 3, 4 e 5 meses cada pagamento, e fiados em que neste intervalo toda a droga se consumirá, se animam a todo o emprego, e enganados da fantasia os que pagam não findam o pagamento em muitos anos, e os que não vendem se perdem. Eis aqui, Senhor, o modo com que esta Praça hoje miseravelmente caduca, porque já os homens não faltam de credito se não quando na injuria se aproveitam, e a todos chega o dano, porque os homens de negocio são como os fusis da cadeia, que atraz de um quebrado se vão todos. [...]
(Continua)

Notas dos editores – 1) Ver no nosso blogue a publicação de 14 de Fevereiro de 2013 em que se referem contratos de concessão de exclusivo do fabrico de baetas e sarjas desde 1677 na Covilhã.

2) Foi capitão-mor (governante) do Estado do Maranhão (Brasil) na década de sessenta do século XVII.

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