terça-feira, 5 de junho de 2012

Covilhã - Para a História da Guarda II


Continuamos a publicar reflexões não revistas de Luiz Fernando Carvalho Dias e respectivos documentos sobre a História da Guarda que foi cabeça de comarca da Covilhã.
            Hoje relata-se a sujeição ou entrega da Guarda a Filipe II de Espanha (I de Portugal) em 1 de Setembro de 1580 e ainda outros documentos da mesma época.
             Procuremos contextualizar:
Em 1578 o rei D. Sebastião morre sem descendentes em Alcácer- Quibir. Sucede-lhe seu tio-avô, o velho Cardeal D. Henrique, que não conseguiu decidir quem lhe sucederia no trono. Quando morre em 1580, instala-se uma crise dinástica em Portugal e é preciso escolher um rei. Os pretendentes, netos do rei D. Manuel, eram vários, mas a batalha mais feroz vai ser travada entre Filipe II de Espanha (filho de Dona Isabel, filha de D. Manuel, e de Carlos V, I de Espanha) e D. António, prior do Crato (filho ilegítimo de D. Luís, senhor da Covilhã, filho de D. Manuel). Em 25 de Agosto de 1580, em Alcântara (Lisboa) ocorre um recontro decisivo e vitorioso para Filipe II. Entretanto entra em Portugal e em 17 de Abril de 1581 as Cortes de Tomar vão declará-lo rei de Portugal e estabelecer que o reino português passa a formar com Espanha uma monarquia dualista, embora Filipe II, I de Portugal, tenha feito juramento de manter os direitos, costumes, privilégios e liberdades dos portugueses. Não cabe aqui historiar o que aconteceu nas décadas seguintes, mas recordemos que o domínio espanhol durou sessenta anos.

A Guarda entregou-se a Filipe II, na pessoa de D. João Pacheco, filho do Marquês de Sarralvo, um nobre castelhano, em 1 de Setembro de 1580.
Representavam a cidade D. João de Vasconcelos e Menezes, general da Comarca Francisco de Sousa de Menezes, alcaide-mor, o licenciado Lázaro Lopes Pinto, juiz de fora, os vereadores Luís de Paiva, António de Pina e Gaspar Teixeira, o procurador do concelho Luís Gomes de Figueiredo e mesteres cujos nomes não estão indicados no auto. Cumpre notar que além da falta de um dos mesteres, o auto não foi precedido das solenidades devidas, designadamente da convocação por sineta. No fim vão as assinaturas dos acima indicados e de outras pessoas, sendo de admitir que os dois nomes dos mesteres estejam incluídos entre elas. Do clero não há vestígios, embora fosse da praxe sempre acorrer a cerimónias ou actos idênticos. Não é de estranhar: o bispo D. João de Portugal, andava a monte depois da batalha de Alcântara e nunca foi perdoado; e o clero secular da diocese da Guarda continuava em rebelião, conforme consta de vários documentos conhecidos e o clero regular seguia-lhe os passos, sempre irreverente até 1640.
            Das outras câmaras da comarca, embora algumas tenham aderido abertamente ao invasor e outras se mostrassem cautelosamente indecisas, como a da Covilhã, uma houve que resistia abertamente: Castelo Branco, o que espero tratar noutro lugar.
            No entanto aqui a coisa não fora tão fácil como à primeira vista parecia: a promessa de não devassar das pessoas que tomaram voz pelo senhor Dom António, constante do treslado de 4 de Outubro, autorizam a concluir pelo favor que também gozava o Prior do Crato, na Beira.
            Noutra carta, também junta, de 19 de Novembro de 1580, Filipe II envia à cidade da Guarda, como Capitão Geral dela, a Fernão Cabral, fidalgo da sua Casa e do seu Conselho. Se este Fernão Cabral não era o Alcaide de Belmonte, que consta perecera em Alcácer Quibir e andou casado com D. Lucrécia Cabral, (1) sua prima, filha do grande Jorge Cabral, era decerto também descendente do ilustre Álvaro Gil Cabral que, em 1385, defendeu o Castelo da Guarda dos exércitos castelhanos. Deste modo sorria o demónio do meio-dia aos brios portugueses, como aliás já fizera antes ao exibir também como seu secretário um Nuno Álvares Pereira venera condigna aos que se lhe venderam e eram descendentes, no sangue que não na fidelidade, daqueles que dois séculos antes resistiram ao poder centralista de Castela. Acrescia ainda Filipe confiar a sua representação em tão importante cerimónia a um fidalgo castelhano, o que soaria bem ao ânimo português.

      Reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias

A cidade da Guarda
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias
Filipe II, I de Portugal

Seguem-se os documentos sobre o assunto:
A - Ano de 1580, 1 de Setembro

Acta da Câmara da Guarda entregando a cidade a Filipe II, na pessoa do fidalgo castelhano, D. João Pacheco, filho do marquês de Sarralvo, General das Fronteiras da Beira pelo Rei de Castela e seus procuradores.

Anno do nascimento de nosso senhor Jesu Christo de mil e qui­nhentos e oitenta annos ao primeiro dia do mes de Setembro do dito anno, na Camara da cidade da Guarda estando em ella o senhor dom joão Pacheco, filho do senhor dom Rodrigo Pacheco, marquez de Sarralvo, gera1 das fronteiras das comarcas da beira deste Reino de Portugal, estando presentes o senhor dom João de vasconcellos e de meneses, geral da comarca desta cidade e o Francisco de sousa de meneses allcaide mór desta cidade, o Licenceado Lazaro Lopes Pinto Juiz de fora na dita cidade, Luis de Paiva, Antonio de Pina, Gaspar Teixeira, verea­dores, Luis Gomes de Figueiredo, procurador, mesteres do povo, cidadãos os que todos foram presentes, digo, que por o dito senhor dom João Pacheco foi dito como procurador bastante de sua magestade per virtude de hua procuração do dito senhor que hapresentou sobestabelecida pelo senhor dom Rodrigo marquez de SanRallvo, gerall das fronteiras da Raia que adiante vai tresladada que elle sabendo como esta cidade estava levantada per Sua magestada e lhe tinha dado vasalagem e obediencia Reconhecendo o Catholico Rei e Soberano da dita cidade vinha tomar posse da dita cidade e seu termo, a qual loguo per o dito juiz, vereadores, procurador e mesteres do povo lhe foi dada como já estava a quall tomou pela maneira seguinte e loguo pelo dito Juiz, vereadores, procurador procuradores dos mesteres foi dito que por quanto elles em nomme de toda a cidade tem sabido que ha magestade do catholico Rei dom felipe nosso senhor pertence per sentença direitamente e sucessão propria da lei e tradisão dos Reínos e Senhorios da coroa de portugall do dia que morreo o serenissimo Rei dom emrrique que deus tem // em gloria como mais largamente se contem em hua sentença dos senhores guovernadores que nesta camara e cartorio della está e querendo comprir com a dita sentença e sua obrigação como leais vasalos diserão que Recebião por seu Rei e Senhor naturall dos ditos Reinos de portugall ao dito catholico Rei dom felipe E como a tall lhe dão obediencia e vaasalagem de ser ditos e leaes vasallos e em demonstração do sobredito lhe entregarão ao dito senhor dom João pacheco em nome de sua magestade pela procuração atras declarada a pose da dita cidade e termo e de todas as outras cousas a ellas anexas conforme ao dito poder que mostrou ter pera este efeito de sua magestade, prometendo de obedeser he servir a sua magestade em tudo o que se mandar, e entenderem que convem a seu Reall serviço e estado, como leaes e fieis subditos, vasallos e como tais asi o jurarão aos santos avangelhos em que puserão suas mãos direitas sob pena de encorrerem desta ora em diante em as penas que encorrem os vasallos que falltão a obrigação que tem, a seu Rei e senhores naturais e em testemunho de verdade emtregarão ao dito dom João as varas da camara a jurdição de juiz, vereadores, procuradores e mais officiais da justiça que presentes estavão, s, tabaliães, escrivão da camara, enqueredor e prometerão daqui em diante se chamarem por sua magestade e comprirem o serviço de sua magestade e guardarem o direito às partes e per vertude da dita procuração lhe mandou usassem dos ditos officios como dantes pelo dito Senhor Rei dom felipe e os ouve per metidos de pose delles e asi disse mais o dito senhor per vertude e bem da dita procuração que elle concede à dita cidade os previlegios, liberdades, costumes que a dita cidade tem E asi promete sua sua magestade hos aver por bem e asinarão

a) dom juº pacheco    dom J ºde vasconcellos de meneses        Daniel do Regª Frºde sousa de meneses    lazaro lopes pinto       Luis de paiva       Aº de pina     Gaspar 'I'eixª   Thomé da costa       luis gomes de figueiredo      johã Roiz   frº lopez    Diº de mello osouro       Bernardo Osouro de Mello        Domingos Carvalho      pº botelho   Rui de mello   guºmo dazevedo    Antº Carvalho       Ruy de misquita      Gaspar frº de fgº   Sarayv     Simão de proeça    nº Matella gaspar da Fonseca      Sebastião Carvº  Antão de paiva      luis gIz     Geronimo de......       luis dallmeida                 estº  pestana     Diogo lobo       Christovão de Siqrª       francº tavares dandrade        Fernº Carvalho    Manoel f. de Siqrª           Fernã Cardoso       Antº….    Gaspar botelho

***
B – 4 de Outubro de 1580

O treslado de uma carta de Filipe II, dada em Badajoz a 26 de Setembro de 1580, dirigida ao Corregedor de Torre de Moncorvo, passada a pedido de D. João de Vasconcellos, Capitão-Mor da Guarda e também a pedido da Câmara da mesma cidade, mandando que não devassasse nem procedesse por quaisquer culpas passadas nos que não tomaram voz por ele Filipe, mas falaram a favor de D. António, mas só daqueles que não estiverem então certos da obediência ou depois de terem tomado voz por ele fizeram cousa contra o seu serviço e juramento dado.


                       A 4 de outubro tresldo
Treslado de hu a provisão de Sua magestade concedida a esta cidade e comarca sobre não se devassar das pessoas que tomarão voz pelo senhor dom anmtonio e outras cousas.

Eu ell Rey faço saber a vós Licenceado diogo dias mango do meu dezembargo e meu corregedor da comarca da Torre de moncorvo que a vendo Respeito a mo pedir dom João de Vasconcellos capitão mór da cidade da Guarda e a camara da dita cidade ei por bem em vos mandar que não devasseis nem procedais per quais quer cullpas pasadas nos casos de não tomarem a voz por mim e falarem em favor de outras pessoas acerqua da sosesão do Reino nem por qualquer outra cullpa que no dito caso posão ter, somente devasareis daquelles que não estiverem certos em minha obediensia ou que depois de terem tomado minha voz e me terem jurado fizerão al1gua cousa contra meu serviço ou contra o juramento que tem feito o que assi ei por bem que comprais e Regimento e que sem embargo que este não seja passado pella chamsellaria sem embarguo ordenaçois em contrairo feito em badajos a vinte e seis de setembro de mil e quinhentos e oitenta.

                                                                                          Rey                 fielmente pereira

digo eu nuno alvarez pereira secretário de Sua magestade catholica o fiz escrever per seu mandado para o corregedor da Torre de moncorvo proceder somente contra aquelles que não estiverem certos à obediemcia de sua magestade ou que depois de o terem jurado fizerão allgüa cousa contra seu servisso sem embarguo do Regimento que levou de que não pasa pela chamselaria.

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C - 28 de Outubro
Treslado da carta de Filipe II à cidade da Guarda, pela qual manda substituir o Capitão mór D. João de Vasconcellos por Fernão Cabral, fidalgo da sua Casa e do seu conselho


Treslado da carta que sua magestade escreveo à camara desta cidade sobre vir por fronteiro della o senhor fernão cabrall.


Juiz vereadores procurador fidallguos cavaleiros escudeiros homens bons e povo da cidade da Guarda e das villas e lugares de sua Comarca eu el Rei vos envio muito saudar por quanto Eu mando ora vir a mim dom João de vasconcellos capitão mór della e mando Residir aí em seu lugar fernão cabrall fidallguo de minha casa do meu conselho vos mando que Resebais conhesais e ajais ao dito fernão cabrall por capitão mór e obedeçais conforme o poder que de mim leva e de vós confio escrita em badajoz a vinte oito de outubro de mil e quinhentos e oitenta. Rej. mandado de sua magestade.

Nuno allvarez pereira.
Á camara da Guarda.
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D - 19 de Novembro

Auto de Representação na Câmara da didade da Guarda, da provisão de Filipe II, em que nomeia Capitão Geral da Cidade e Comarca da Guarda o senhor Fernão Cabral, fidalgo da sua Casa e do seu Conselho, e entrega consequente das chaves da dita cidade.

Sobre a presentação da provisão de fernão cabrall capitão gerall da cidade e comarqua


Anno do nacimento de nosso Senhor Jesu Christo de bclxxx annos aos dezanove dias de novembro do dito anno na camara da cidade da Guarda estando em em ella o Senhor fernão cabrall fidalguo da casa dell Rei nosso senhor e do seu comcelho capitão gerall da cidade da Guarda e sua comarqua e o Licenceado lazaro lopez pinto Juiz de fora luiz de paiva gaspar botelho da fonseca vereadores e os mais cidadãos que foram e são os e presemtes os dous procuradores dos mesteres perante todos forão lidas hua carta de sua magestade e hua provi­são de poderes pela (qual) avia por capitão gerall da dita cidade e sua comar­qua conforme aos ditos poderes que trazia e mandava que fosse obedecido e aseitado comforme a sua provisao que tãobem apresentou e por todos juntamente foi Respondido que elles só aceitavão e Recebiam por capitão gerall da dita cidade e sua comarqua e o meterão em pose de fazer o que per eles Senhor gerall lhe fosse mandado emcarregado comforme as provisoins de Sua magestade e poderes que trazia os quais mandarão Registar neste livro e asi a dita provi­são he carta e asinarão daniel de Reguengos e loguo por a dita camara lhe forão entreges as chaves das portas e  fortaleza da cidade he loguo emtregou
fernão cabrall       Lazaro Lopez pinto        Rui de mello        Gaspar botelho da fonseca
luis de paiva     Alvaro Glz da fonseca   Mº mêdoza    luis saraiva   fernão carvalho
Symão dalmeida     pº botelho      Manoel homem botelho      Rui de misquita       
Luis dallmeida    Dioguo botelho      Mel de Siqra      fracisco lopez bugalho  
O Ldº Roiz (2)

Fonte - 1) Segundo "História Genealógica da Casa Real Portuguesa", de D. António Caetano de Sousa, Tomo XI, pag.504,  "Fernão Cabral, filho de Nuno Fernandes Cabral, alcaide-mor de Belmonte casou com Dona Joana de Castro, filha de Jorge Cabral, seu tio, governador da Índia e de sua mulher Lucrécia Borges". 2) Este conjunto de documentos foi extraído de um livro de registo de cartas e provisões régias e outros documentos da Câmara da Guarda existente na Biblioteca Pública da mesma cidade.

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