segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Covilhã - Século XII, antes do Foral I

A Covilhã antes do Foral de D. Sancho I
(século XII) 

As reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias, que hoje publicamos, reportam-se à Covilhã do século XII antes da Carta de Foral dada à Covilhã e defendem que O foral deve, pois, ser o marco não do povoamento e da restauração da vila, mas simplesmente da sua armadura administrativa como cabeça de um vasto e enorme alfoz. É a carta não de povoamento da vila, mas do concelho: é a carta das regalias municipais. Não deve considerar-se a carta da restauração da vila,” por várias razões apresentadas.

Uma doação de um olival na Covilhã, feita no pontificado do bispo Miguel, à Sé de Coimbra, por Pêro Domingues, arcediago dela, conforme refere Pedro Álvares Nogueira, no Catálogo dos Bispos é a primeira notícia que temos da Covilhã. A origem desta doação não a conhecemos, nem tão pouco o título dela - pois Nogueira não o refere - mas cremos dever constar de algum documento do Cabido de Coimbra. O Bispo Miguel (D. Miguel Pais Salomão) governou até 1176, data em que recolheu de novo a Santa Cruz, mas os factos do seu governo estão largamente documentados no Livro Preto da Sé de Coimbra, assim como nos fólios que lhe foram posteriormente anexos, donde consta a defesa do Bispo, já velho e alquebrado, contra aqueles que o acusaram de, durante o seu governo, delapidar os bens da mitra e de enriquecer com eles, amigos e parentes. Esta doação ajudaria a compreender outros documentos para a história da Covilhã antes do foral. Demonstraria também que a região se encontrava já povoada ou em vias de repovoamento e deixaria certificar a hipótese de Herculano de que a vila se havia organizado como município anteriormente à concessão do foral (Novembro de 1186), independentemente do argumento dos alcaides e juízes, que achamos precipitado.
Quais são os documentos que nos ajudariam a estudar a posição da Covilhã na Beira Baixa reconquistada, durante todo o século XII?
Conde D. Henrique de Borgonha e D. Teresa, pais de D. Afonso Henriques
                    
 A primeira doação de Monsanto, (1) por D. Teresa - Se Monsanto, no condado da rainha, pertencesse já à coroa, estava provado que a Covilhã, ou melhor, a região da Covilhã entraria no domínio cristão por todo o princípio do século XII. Mas o documento oferece grandes dúvidas de autenticidade. O Dr. Alfredo Pimenta, insigne medievalista, dá-o como autêntico, discutindo-lhe, porém, a data, que altera, fundado em má leitura. Para o trabalho de provar a validade do documento, daríamos nós algumas achegas a que o estudo cuidado da toponímia da região nos levou: de facto os topónimos da região condizem inteiramente com o documento da doação de Monsanto, pelo menos nos referentes à parte norte do actual distrito de Castelo Branco.
Assim tudo, porém, estaria muito certo se não esbarrássemos com outras dificuldades. Alfredo Pimenta foi o primeiro que publicou o documento em Portugal segundo a lição de Dorzy, conforme o exemplar de Alcala de Henares, que se desconhece se é o original ou cópia! Mas, já antes, Freire de Andrade, na sua “Nova Malta”, referia o documento dando-o como datado de 11?? (data que condiz ou não com Dorzy), mas que julgamos impossível por nele se prever já a entrada dos templários, digo dos malteses (2) em Portugal e, ainda nessa data eles ainda se não encontrarem entre nós, nem haver possibilidades de criarem já ambiente para essa doação. Assim Erdman é inclinado e, julgo que bem, à renúncia da autenticidade do documento.
 Parece-me que foi Reuter, nos seus documentos para a Chancelaria do Rei D. Afonso I, que publicou pela primeira vez, outro curioso documento sobre a Beira Baixa, que interessa deveras à história da Covilhã e do seu concelho: refiro-me à doação do Castelo das Luzes à Sé de Braga. Este documento consta da Liber Fidei da mesma Sé e parece que tem sido considerado apócrifo pela impossibilidade de justificar o referido documento. Não conheço dele mais do que a leitura de Reuter nem, neste momento, tenho à mão elementos que me ajudem a estudar a autenticidade paleográfica e histórica do mesmo. Mas nada repugna a aceitar o documento como verdadeiro, pois tudo conspira para a sua autenticidade: a localização do topónimo, ainda hoje existente e a verificação do mesmo topónimo em documentos de vária proveniência e de várias épocas, desde a alta Idade Média até hoje; o facto de, em 1132, nenhuma das dioceses intermédias de Braga e da Egitânia se encontrarem restauradas; o ser abundante na região o achado dos mais variados monumentos arqueológicos; a existência em toda a sua zona de uma vasta área de fortificações atestadas na toponímia local e, essas fortificações, haverem de remontar necessariamente, e pelo menos, à reconquista.
O outro documento para a história da Beira Baixa seria a segunda doação de Monsanto (1) - Monsanto conquistada pressupunha na posse da coroa toda a zona entre a Gardunha e a Estrela. Parece que o topónimo Gardunha – há Gardunha em Espanha – seria, como tantos outros, um topónimo fronteiriço. Monsanto conquistada significava o domínio da planície da Idanha, o domínio do Vale do Zêzere - bela porta de passagem para os fossados de Coimbra e Penela. Num documento de Penela, publicado por Dias Arnaut, há uma referência à herdade de Rascavelhas (ou Arzavelha), que só se conhece uma na região da Covilhã, o que dá a entender que possivelmente o Zêzere pelas gargantas de Arganil, Cambas, etc. seria campo de penetração às invasões cristãs do território de Coimbra para o Oriente. A doação de Monsanto aos templários deixaria justificar também a fundação de Santa Maria da Estrela no século XII – aceitando a versão de Brito e a autenticidade que lhe dá Brandão, quando diz que viu o documento donde consta a história dos Ursos. Admitir-se-á a fundação e a restauração depois, quando a sua transferência se faz já nos domínios da diocese da Egitânia, conforme o documento de Alcobaça, dos Livros Dourados.
A “Nova Malta” também nos fala na doação da Condessa D. Elvira e dos bens em Covilhã. Não se sabe a que reinado dirá respeito esta doação nem, tão pouco, se esta Covilhã será a vila da Covilhã, ou alguma das outras terras com o mesmo nome, desde a que se situa junto a Trancoso e que poderia, por exemplo, servir de assento para a fundação do Mosteiro da Estrela (D. Afonso V) até às outras de que nos dão notícia os vários dicionários geográficos.
Traremos ainda à colação, porque nos parece precipitada a opinião de Herculano quanto à referência das magistraturas municipais como prova da anterior fundação do concelho. A existência, em documentos posteriores ao foral, de alcaldes ou juízes parece-me que por si só nada prova, pois a fórmula é independente do próprio foral, onde não se fala de magistraturas ou da organização do concelho, mas uma fórmula ou outra é usada indistintamente em épocas diferentes e sucessivas, de maneira a não deixar dúvidas que a nomenclatura longe de indicar uma fórmula jurídica exacta, antes demonstra o sentido impreciso das duas. Talvez seja mais a situação geográfica entre duas zonas em que as fórmulas são distintas que levará antes a usar neste concelho uma fórmula ou outra consoante o notário ou o autor do documento é influenciado por uma ou outra. O próprio foral é uma cópia integral do de Évora: a única diferença existe nesta expressão “qui in ea habitare uoluerint”  que no de Évora não aparece. O foral de Évora, longe de ser um tipo diferente, talvez deva considerar-se, como também o de Ávila, antes um aperfeiçoamento de forais mais antigos. Perguntar-se-á – e isto é que poderia, de facto, ter interesse histórico-jurídico – se os costumes a que o foral da Covilhã faz referência, como direito subsidiário, seriam os costumes da Covilhã ou os costumes de Évora? E aqui, já, de facto, poderia interessar, demonstrar a existência de costumes próprios diferentes dos de Évora. E isso era possível admitir, mais pela influência da proximidade geográfica e contactos de habitantes entre a Covilhã e Salamanca, muito mais próxima e muito mais ligada do que a Covilhã com Évora.
Anterior ao foral também existe a doação à Sé de Coimbra. Será esta doação uma carta de povoamento ou antes uma simples doação rendosa, sem carácter de povoamento?
Belmonte e Centum Cellas são de facto cartas de povoamento, doações onerosas, mas a da Covilhã tem mais o carácter de um benefício eclesiástico do que de uma doação daquele tipo. Essa doação, embora o foral seja uma carta de povoamento, não deixa antever que a vila se achava despovoada, antes pelo contrário: fala nas suas igrejas e, nas igrejas que se construírem, mas fala só de direitos eclesiásticos: a coroa guarda para si os direitos temporais. Ao passo que em Belmonte e Centum Cellas os bispos de Coimbra têm direitos temporais. E só assim se compreende que a Egitânia reconstituída venha depois a discutir somente os direitos das igrejas, a jurisdição eclesiástica com as suas alcavalas materiais dos dízimos e das premícias.
Também os distingue pelo seguinte: o foral de Belmonte, bem como o de Centum Celas é dado pelo Bispo. O da Covilhã é dado pelo Rei.
Nem o foral, nem a doação à Sé de Coimbra me parece que se possa considerar aqui uma carta de povoamento:
 1º Porque esta doação demonstra que a Covilhã estava povoada.
 2º Demonstra, também, que a Covilhã era vila sobre si.
 3º O foral não é mais que a cópia do formulário usado em casos idênticos, que neste caso nada prova, se não houver outros documentos a demonstrar povoação.
 4º Este princípio foi sempre usado na chancelaria dos reis e ainda vamos encontrá-lo no documento em que D. Sebastião faz a Covilhã “vila muito notável”. O foral deve, pois, ser o marco não do povoamento e da restauração da vila, mas simplesmente da sua armadura administrativa como cabeça de um vasto e enorme alfoz. É a carta não de povoamento da vila, mas do concelho: é a carta das regalias municipais. Não deve considerar-se a carta da restauração da vila:
a) Porque documentos anteriores nos indicam a sua instauração e restauração.
b) Porque documentos posteriores no-lo deixam antever (S.Tiago).   
c) Porque a própria constituição da vila, a sua armadura de defesa, as suas igrejas existentes, a vastidão do seu perímetro nos ensina que o povoamento era muito anterior e se mantinha.
            d) Porque as invasões da região nos mandam concluir que a ser destruída o devia ser em tempos mais antigos e a posição nos deixa também verificar que as casas podiam ser destruídas, mas a população poderia escapar.
            e) Porque o uso de uma nomenclatura de magistraturas dúplice nos deixa também antever a subordinação a outros grandes tipos de departamentos administrativos mais antigos.
É, por isso, que digo que o foral constituiu o concelho, mas não restaurou a vila. A segunda doação de Monsanto dá como limites não o território da Covilhã, mas um acidente geográfico – o Zêzere. A Covilhã, circunscrição administrativa com limites, ainda não existia – o que não impedia que existisse como realidade populacional. E o território entre o Zêzere e a Serra a que circunscrição pertencia? Ao território da Serra? Mas o território da Serra era pelo alto dos Hermínios. E no foral de S. Romão, a Santa Cruz de Coimbra refere-se aos Mouros que fugiam e às terras que possam romper até ao Zêzere. Mas romper significa em latim bárbaro lavrar e não vale pelo sentido que o Dr. Valério de Morais lhe deu. Antes dos forais que seguiram à Covilhã, das terras que se desprenderam do seu alfoz ou das que com ele confinaram, se verifica, que da rede de estradas e caminhos existentes, quanto era fácil repovoar a região e como esse repovoamento se fez depressa, ia quase a escrever que dessa rapidez se poderia concluir que a região não estava de todo despovoada, inclinando-me assim, decididamente para a opinião de Barros e afastando-me de Herculano.
O que poderia significar em 1198 a Bula de Celestino III – Ut ea qual – dirigida ao Bispo de Coimbra. Confirma-lhe a doação da vila da Covilhã, situada “in confinio paganorum, com todas as igrejas e suas pertenças, doação que tinha sido feita por D. Sancho, rei de Portugal, sua mulher D. D. e seus filhos a D. M., Bispo de Coimbra. Dada em S. João de Latrão aos IV dos idos de Julho? Poderá significar, talvez, que existia já na mente do Rei e dos seus próceres a existência do alfoz e que a fronteira deste é que estaria no “confinio paganorum”? Assim entendia-se, porque de outro modo em 1198 a Covilhã e a Beira Baixa já não eram aquela linha de defesa: todo o Alentejo estava nas mãos dos Portugueses e, só entendendo-se a fronteira moura em Badajoz, por esse lado poderia, de facto, a Beira estar sujeita à invasão. 

Reflexões (3) de Luiz Fernando Carvalho Dias 

Notas dos editores – 1) Encontrámos uma cópia do Documento 34 do volume I de “Cartulaire General dês Hospitaliers de St. Jean de Jérusalem 1100-1310” que começa assim: “ In nomine sancte et individue trinitatis, patris et filii et spiritus sancti, et in honore beate et gloriose semper virgini […] Ego famula Dei Tarasia, domni Alfonsi Ispanie regis filia, terram meam amplia(re) et vassalos meos ditare cupiens, placuit mihi quatimus Karissimis vassallis meis vobis domno Egas Gosendiz, et uxori vestre Elvire Gonsalvi, et vobis domno Mouran Gosendiz, et uxori vestre Ouroana Veegas, civitatem Egitanie, que a multis temporibus deserta jacet […] Facta series donacionis apud Guimaranes, Kalendas februarias anno millesimo CXLIIII (?) […] É provável que o documento seja datado de 1114 e não 1144.
2) A ordem de Malta (Hospitalários) e a ordem dos Templários entraram em Portugal ainda na parte final da governação de D. Teresa.
3) Estas reflexões são apontamentos do autor, provavelmente da década de 30 do século XX e não foram por ele revistas.


As Publicações do Blogue:
Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.HTML

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