quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Covilhã - Pedro Álvares Cabral e Belmonte II

Luiz Fernando Carvalho Dias continua a esmiuçar a vida de Fernão Cabral para poder fixar a data de nascimento e outros dados biográficos de Pedro Álvares Cabral.

            Quando as aventuras amorosas do fidalgo da Beira rondavam as imediações da Câmara Real era hora do trintão mudar de estado.
            Em 1454, a filha de João de Gouveia e de Leonor Gonçalves desfizera umas núpcias adiantadas com um fidalgo transmontano, chamado Vasco Fernandes de Sampaio. Digo adiantadas porque uma carta régia desse ano chegou mesmo a chamar-lhes marido e mulher, mas a verdade é que as promessas se desfariam em fumo e a moça ficaria aguardando oito anos outro marido, menos ambicioso que esse transmontano de Moncorvo.
            Leonor Gonçalves ia pelos 62 anos, em 1463, pois era colaça d’ El-Rei D. Duarte e João de Gouveia, cumulado de serviços e de honras atingia o cimo dos seus dias. 
            Os Gouveias eram beirões de Castelo Rodrigo mas tinham propriedades e jurisdição nas imediações de Belmonte, em Valhelhas, hoje concelho da Guarda, e no concelho da Covilhã. Fiéis à Pátria em 1385; soldados d’ África no século XV, esforçados e valentes, do melhor que a Beira mandou aos cercos de Tânger e às campanhas de Afonso V, foram depois no século XVI professores e intelectuais de renome desde o ortodoxo Diogo de Gouveia, o velho, filho de um beirão emigrado para Beja, até aos inquietos e heterodoxos António e Marcial. Primo de Pedro Álvares Cabral, que admira o interesse de Diogo de Gouveia Sénior pelas missões do Brasil?
            Desconhecemos onde casaram Fernão Cabral e D. Isabel de Gouveia, mas decerto em Castelo Rodrigo.
            O grosso das doações régias a Fernão Cabral, é de crer, coincidisse com o matrimónio.
            Um instrumento de partilhas entre o irmão mais velho de Isabel de Gouveia e esta e seu marido, datado da quinta do Fogo, em Castelo Rodrigo, em 1464, declara que Fernão e Isabel eram casados e que esse casamento fora feito ainda em vida de João de Gouveia.
            Como as confirmações das doações régias a Vasco Fernandes de Gouveia são de 1465, é de crer que o decesso do alcaide de Castelo Rodrigo não fosse além de 1463.
            Por isso admitimos que o casamento dos pais de Pedro Álvares Cabral se tivesse realizado em 1462.
            Deste casamento nasceram seis filhos.
            O primeiro foi João Fernandes Cabral, alcaide-mór de Belmonte e Senhor de Azurara por carta régia de 1496.
            O segundo foi Pedro Álvares Cabral, descobridor do Brasil.
            O terceiro Vasco Fernandes Cabral.
            O quarto Luiz Álvares Cabral.
            O quinto D. Violante de Gouveia, casada com Luiz da Cunha, de Santar, vulgarmente confundida com a sua homónima e parente D. Violante Cabral, abadessa de Odivelas, a inspiradora do auto da Cananeia de Gil Vicente.
            O sexto D. Beatriz, casada com D. Pedro de Noronha, filho natural do Marquês de Vila Real.
            Admitindo que o casamento dos pais de Cabral se tivesse realizado em 1462 e que o primeiro filho nascesse em 1463 e que todos os anos D. Isabel desse um filho a Fernão Cabral, teríamos de aceitar o nascimento de D. Beatriz, a última filha do casal em 1468.
            Ora sabemos por documento outorgado pelo seu marido D. Pedro de Noronha que ele e D. Beatriz ainda casaram em vida de D. Isabel de Gouveia, porque Fernão Cabral e a esposa lhes fizeram em dote a Malpartida, perto de Castelo Rodrigo.
            Se D. Isabel de Gouveia morreu em 1483, a filha mais nova teria de casar com 15 anos.
            Assim, ao abordar as terras de Santa Cruz o segundo filho do casal, Pedro Álvares, nessa data, ultrapassaria bem os 33 anos que vulgarmente lhe têm sido atribuídos.

Armada de Pedro Álvares Cabral


            Mas voltemos atrás para surpreendermos o Gigante da Beira no exercício da mais alta magistratura da nossa província, i. e. de Regedor das Justiças da comarca da Beira.
            Como surgiu esta magistratura?
            Gama Barros, na História da Administração Pública regista Regedores de Justiça em épocas mais recuadas.
            Contudo, embora na carta de nomeação se determine que Fernão Cabral exercerá a função como aqueles que o antecederam, a verdade é que não foi conhecido até ele, outro Regedor das Justiças, na Comarca da Beira.
            A carta, pela forma como está redigida, dispensa qualquer investigação quanto à criação do lugar e aos seus objectivos. É clara e nela diz o Rei :
                       
            “ Considerando nós como a comarca e correição da Beira e Riba Coa é alongada e afastada donde nós continuamos a maior parte dos tempos pela qual razão os homens mais atrevidamente cometem muitos malefícios e    como ainda em a dita correição há muitos fidalgos e outras grandes pessoas em que os ditos malfeitores acham acolhimento, amparo e defensão dos quais os corregedores nom podem assim livremente fazer a dita justiça segundo a rezam e nosso desejo requer“

            Portanto, D. Afonso V, como o último dos Reis itinerantes, prevê que a Corte não podia deixar de se estabilizar. Daí a necessidade de suprir a sua missão fiscalizadora e correctora na aplicação do direito por outras funções mais lestas e mais próximas.
            Por outro lado o Rei reconhece a natural impossibilidade ou dificuldade de seus corregedores imporem a justiça aos grandes senhores que cobriam com o manto da sua influência e hierarquia os malefícios de tantos.
            Se D. Afonso V não se antecipou ao Príncipe Perfeito cerceando o mal pela raiz e cortando a frondosa árvore dos privilégios, procurou com esta função de Regedor da Justiça impor ao nobre, impante e violento, alguém que pela hierarquia lhe falasse no mesmo plano de igualdade, e pela investidura do cargo não hesitasse subjugá-lo ao cumprimento da lei.
            A carta régia invoca a bondade e descrição de Fernão Cabral para o bom desempenho de tão espinhosa missão que classifica de :

            “ serviço de Deus e nosso e bem do nosso povo ... “

            Fernão Cabral poderá usar directamente da magistratura ou delegar num ouvidor, mas nesta hipótese conhecerá dos agravos a que esse dito ouvidor se fizer.
            O Ouvidor seria o técnico da Justiça, reservando o Regedor para si a função mais nobre da equidade.
            Sabemos e são pródigas as fontes : Fernão Cabral não exerceu directa e totalmente a função, confiando-a, entre outros, a Gonçalo Gonçalves, seu ouvidor, contra a sentença do qual, vários povos da correição da província agravaram em Cortes.
            De tais capítulos, uns providos pelo Rei, outros indeferidos, Fernão Cabral não saiu ferido, pois extinto o lugar de regedor das justiças, D. Afonso V confirmou, para uma das corregedorias da província o mesmo ouvidor Gonçalo Gonçalves, excluindo, deste modo, qualquer suspeita que maculasse a sua acção.
            Onde começava e até onde chegava a competência do Regedor das Justiças da Beira e Riba Côa ?
            Primeiramente há que advertir : o Regedor era um supercorregedor.
            A função de corregedor, no dizer de Gama Barros, subsiste e coexiste com a de Regedor; são funções gradualmente distintas por um lado - mas, por outro completam-se. Do corregedor agrava-se ou recorre-se para o Regedor, mas o Regedor, além de instância do recurso, usa de outra competência porque vai aonde o corregedor não chega ou onde o corregedor não entra, nos tais domínios fechados dos grandes Senhores.
            Disto temos prova num conflito aberto entre Fernão Cabral e, nem mais nem menos, a Infanta D. Beatriz, viúva de D. Fernando e cunhada de Afonso V, mãe e tutora do futuro D. Manuel I, a propósito de certas jurisdições, conflito que ultrapassava a competência do corregedor da comarca, mas não a de Regedor das Justiças.
            Por sua vez o Regedor superintendia sobre os alcaides dos castelos e cabia-lhe vistoriar os “ batimentos e almazens” .
            Ora os alcaides dos Castelos recrutavam-se normalmente entre os membros da alta nobreza.
            Seria contra o espírito da carta que Fernão Cabral não exercesse aqui pessoalmente a sua jurisdição.
            Por isso topamos na chancelaria régia de D. Afonso V várias cartas respeitantes ao empossamento dos alcaides dos castelos e senhores de algumas vilas da Beira, dirigidas a Fernão Cabral, e respeitantes v.g. a Sortelha, a Castelo Rodrigo e a Vilar Maior, etc.
            De igual modo os fidalgos e cavaleiros, peões e besteiros e todo o outro povo deviam obedecer ao Regedor das Justiças da comarca como oficial do Rei.
            A jurisdição de Fernão Cabral como a mesma jurisdição do Rei atingia todas as camadas da população e chegava a toda a Comarca da Beira e Riba de Côa, a Manteigas, a Sortelha, a Castelo Rodrigo, a Pinhel, etc...
            Não apreciavam contudo os povos, e aqui povo deve entender-se por pequena aristocracia dos concelhos, a função de Regedor da Justiça e compreende-se porquê! O detentor dessa parcela de jurisdição régia vivia demasiado próximo dos concelhos e dos seus administradores.
            Daí o terem requerido ao Rei, com êxito, nas Cortes de Évora de 1473 a sua extinção.
            Na sua primeira fase a função dura de 1464 a 1473.
            O período decorrente de 1465 até 1476, isto é, desde as Cortes da Guarda até à Batalha de Toro, é de uma intensa actividade política e militar na zona fronteiriça da Beira e em Castela pois coincidia com a desgraça da Infanta D. Joana, irmã de Afonso V e esposa de Henrique 4º de Castela, e o fenecer dos direitos de Excelente Senhora ao Trono em favor de Isabel a Católica.
            Coube a Fernão Cabral um preponderante papel nessa longa e dolorosa questão dinástica, onde pela sua fidelidade, sacrifícios e despesas honrou mais uma vez os timbres nobiliárquicos da sua casa.
            Regressado a Portugal com a alma carregada de luto pela morte de seu cunhado Vasco Fernandes de Gouveia, com a bolsa vazia pelas muitas despesas realizadas ao serviço do Rei, pede a D. Afonso a restituição da Regedoria da Justiça da Comarca da Beira, argumentando que tal lugar lhe fora dado em 1464, em paga de serviços.
            Embora tal não constasse da carta de nomeação de 1464, como já vimos, D. Afonso V, recordando os seus muitos serviços em Castela, e o muito que gastou do seu bolso nessa guerra infeliz e ainda os seus serviços em África, no Norte d’África, restitui-lhe a função em 1476, mas só por sua vida, acrescida da honra de adiantado-mor, como aliás já fizera ao Conde de Penela, Regedor da Estremadura.
            Desejoso, porém de corresponder às pretensões das Cortes, embora reconhecendo os serviços de Fernão Cabral, D. João II acabou definitivamente com os Regedores de Justiça após as Cortes de Évora de 1481 e com os adiantados em 1486, indemnizando nesta data o velho servidor com uma mercê em dinheiro.
            É do período da sua função de adiantado-mor, ou mais exactamente de 27 de Junho de 1481, um documento assinado por Fernão Cabral, em S. Cosmadinho, ou seja na sua quinta de Zurara da Beira: serve ele para demonstrar que Fernão Cabral não se instalava em S. Cosmado quando visitava as suas terras de Moimenta e Azurara ou os seus padroados de S. Pedro de Espinho e de S. Tiago de Cassurães, o que contraria definitivamente quantos pretenderam chamar para S. Cosmado e fixar numa estreita casa renascentista, o local do nascimento do descobridor do Brasil.
            Segundo Sanches Baena, D. Isabel de Gouveia teria morrido em Belmonte a 26 de Agosto de 1483, e recomendaria no seu testamento para jazida a capela que seu marido então construiu em Belmonte, ou a sua trasladação para ela, caso não estivesse concluída à data do óbito.
            Embora não tivéssemos a sorte de encontrar o testamento de D. Isabel, citado por Sanches de Baena, e ainda no seu tempo depositado no arquivo da Casa de Belmonte, lemos e publicámos antes de outrém a inscrição de 1630, da autoria do alcaide-mor, Bacharel Francisco Cabral, que revela ter sido Fernão Cabral o construtor da primitiva capela tumular dos Cabrais, junto a S. Tiago de Belmonte, em mil quatrocentos e oitenta e tal.

Nota dos editores – Mais tarde publicaremos alguns documentos.

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